Coluna 02 - O "Sertanejo com C"
Publicada dia 04 de Agosto de 2003

O "Sertanejo com C"

Quem pensa que boêmio gosta de conforto, não conhece a classe. Ninguém, na verdade, sabe explicar as preferências, as prioridades de um "irmão da opa": ninguém sabe ao menos dizer o que é "opa".

Bares ricamente instalados, confortáveis, "apetrechados" com o que há de mais moderno no gênero, muitas vezes encerram suas atividades por absoluta falta de freqüentadores, e, o pior, ninguém sabe explicar a causa; outros, mais modestos, desconfortáveis, infectos até, são os preferidos da "irmandade". Ninguém explica. Nem Baco...

Em Caruaru existiu um bar, cujo proprietário, um brutamontes, punha os fregueses para fora, mandando um empregado mexer, com um pedaço de pau, a bacia sanitária entupida. Pois bem, horas após acalmada a fedentina, voltava todo mundo aos seus respectivos lugares, felizes da vida, como se nada houvesse acontecido.

Aqui na nossa terrinha, bem ali no beco de João Honório, Anito Chiquinho usava no seu bilhar-bar, uma frigideira, cujo óleo jamais fora substituído ao longo dos vinte anos de existência do estabelecimento. Ainda assim, a sua tilápia, frita naquele óleo preto, queimado, era bastante elogiada. Taí Orlando que não deixa eu mentir...

De uma coisa, porém, tenho certeza: boêmio gosta de lugares pouco convencionais. Não importa que seja confortáveis ou não. Têm que ser, antes de qualquer coisa, diferentes...

Assim foi no passado "O Certanejo" ou, para nós alfabetizados, O "Sertanejo com C".

Localizado fora do foco civilizado da cidade, quase na "ponta" da Rua João Pessoa, o "Certanejo" somente encerraria suas atividades com o falecimento de sua proprietária, a legendária Maria Queiroz, mulher de aparência frágil, pálida, mas de coragem fora do comum.

"O Certanejo" dispunha, além de duas pequenas salas, uma cozinha e alguns quartos de aluguel enfileirados nos fundos do prédio. Extremamente discreta a proprietária jamais questionou a finalidade das "reservas" dos apartamentos.

- Não tenho nadas a ver com a vida dos freguês...

A quietude, o sossego do bar de Maria Queiroz, atraía aquele boêmio mais tímido, do tipo que o carioca chama de "come-quieto"; o sessentão em busca de uma aventurazinha esperta; o estudante madrugador que se excedia e, por isso mesmo, achava-se impossibilitado de voltar para casa tarde da noite.

Serviço considerado caro em relação ao nível da casa, bar apertado e quase sem opção de comidas e bebidas, sanitário distante e, o pior, o vai-e-vem do rebanho bovino de Maria de Queiroz, do quintal para a rua e vice-versa, através dos dois pequenos salões do bar.

Um bêbado, já vendo o cão, apavorado com o mugido de um garrote ao pé do ouvido teria desabafado:

- Eu sabia que cão tinha chifre, que berrava tô sabendo agora...

"O Certanejo" ganhou má fama porque naquela época o preconceito ia às raias do absurdo. É verdade que lá existia a prática do lenocínio, mas, aqui para nós, que mal podia fazer uma coisa tão distante, tão discreta, tão tarde da noite...

Denunciada, Maria Queiroz teve que explicar-se perante a polícia. Defendida por Alfredinho, Altino e uma porção de estudantes, a pálida senhora escapou ilesa.

Istada a retificar o nome do seu estabelecimento, Maria Queiroz preferiu "errar" com os freqüentadores, que jamais aceitariam aquele letreiro corretamente escrito. O Sertanejo, com "S", seria o fim; seria perda completa da originalidade, a descaracterização daquele ambiente verdadeiramente único.

Em que hotel do mundo, um papagaio é o encarregado de acordar os hóspedes?

Só no "Sertanejo com C": Alzira!...Alzira!...Alzira!...


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