ENTREVISTA
GILVAN LEMOS
Jornal do Commercio, Fevereiro de 2001
“O regionalismo não interessa
mais”
Quando convidado a conceder
essa entrevista para o Jornal do Commercio, a primeira coisa que
o escritor Gilvan Lemos declarou foi que não era bom em articular frases.
“Tudo sai melhor escrito. Não sou bom falando. Se sair besteira, você
dá um jeito”. Pura balela e desculpa esfarrapada de quem passou a vida
inteira declarando a timidez. Articulado, bem-humorado e disposto a responder
a qualquer questão, nessa entrevista realizada na semana passado no seu
apartamento, onde mora sozinho, na 7 de Setembro, o autor falou da sua
frustração diante do mercado editorial brasileiro, do seu desejo de sempre
trazer novos textos aos seus leitores (”já não posso mais esperar tanto
para que um livro seja publicado”), do amigo Osman Lins e do seu desinteresse
em comungar com a vida literária do Recife. “Nunca mais volto a me candidatar
à Academia Pernambucana de Letras.”
JORNAL DO COMMERCIO –
Seu último livro, Morcego Cego, foi de 98. Incomoda-lhe passar
tanto tempo sem publicar?
GILVAN LEMOS –
Incomoda a mim, sim, por causa do público, que fica esse tempo todo sem
coisas novas. Quando digo que queria ficar famoso não é por conta do dinheiro,
mas sim para publicar quando quiser. Entre 56 e 68, fiquei sem publicar
nada, porque era muito inexperiente. Eu escrevia na esperança de que,
um dia, um editor deparasse com os meus escritos, gostasse e decidisse
lançar um livro imediatamente. Não é assim que as coisas acontecem. Atualmente,
tenho três livros prontos e quero publicar pelo menos o romance, ainda
este ano. A minha editora, a Record, pediu que eu mandasse o romance para
eles para publicação, mas há dois meses que o mandei e Luciana Villas-Boas
(responsável pela Record) não me dá resposta. Se eles não quiserem publicar
este ano, não sei o que vou fazer.
JC – Fale desses seus novos trabalhos.
GL – Tenho pronto
um livro de contos, Onde Dormem os Sonhos, e um de novelas, A Era
dos Besouros. Acho que esses dois, basicamente, dão continuidade ao meu
trabalho, não há grandes mudanças. Tenho também o romance A Vingança dos
Desvalidos, que considero o meu livro mais social. Ele é bastante urbano,
foi escrito a partir do que eu colhia das pessoas falando nas ruas, das
reclamações em relação a esse governo.
JC – O senhor falou
que seu novo romance é urbano. Não é um pouco um contraste com o rótulo
neo-regionalista que os críticos costumam aplicar em seu trabalho? A propósito,
na sua opinião, o que é um texto neo-regionalista?
GL – Eles me chamam
de neo-regionalista porque sou nordestino. É um termo que o povo do Sul
gosta de usar. Tem romances meus que se passam no interior mas não é a
região que importa, como em Os Emissários do Diabo. São os sentimentos
internos, o que passa pela cabeça das personagens.
JC – O escritor Fernando
Monteiro diz que não quer ter qualquer ranço de regionalismo em suas histórias.
Qual a sua opinião sobre isso?
GL – Não há mesmo
o porquê de continuar falando de Lampião hoje em dia. Está superado. O
romance regionalista, como o de 30, não interessa mais. Aquilo já se encerrou.
Existem outros temas para se falar hoje em dia.
JC – O senhor sempre
se declarou um homem muito tímido, isso melhorou com o tempo?
GL – Ah, sim,
hoje tenho mais amizades, pessoas de todas as áreas, não necessariamente
escritores. Eu era muito tímido quando jovem, hoje estou, digamos, um
sem-vergonha (risos). Não tinha amigos, não tinha relações com ninguém.
O meu trabalho demorou ainda mais para ser divulgado porque não tinha
amizades, não sabia procurar as pessoas. Nunca fiz noites de autógrafos
aqui no Recife, por exemplo. Quando trabalhava no IAPI (atualmente, o
INSS) um homem foi lá procurar o escritor Gilvan Lemos, ninguém sabia
quem era. Só conheciam Gilvan Lemos, o funcionário. Durante muito tempo,
ninguém comentou nada sobre os meus livros aqui no Recife. Os jornais
não davam uma linha.
JC – Por que isso?
GL – Isso acontecia
porque eu não conhecia ninguém, não travava conhecimento com as pessoas.
A situação só começou a mudar quando, em 85, o professor Janilto Andrade,
da Unicap, colocou o meu livro O Anjo do Quarto Dia no currículo do
vestibular.
JC – Um dos seus poucos amigos confessos
foi Osman Lins. Ele teve alguma influência na sua escrita?
GL – Sim, eu era
amigo de Osman. Nos conhecemos por conta de um concurso literário em que
ficamos empatados em primeiro lugar. Ele me ajudou muito para que eu abrisse
meus olhos e lutasse para publicar o meu livro. Em termos de escrita não,
a prosa dele é muito diferente da minha.
JC – O senhor é filiado à União Brasileira
dos Escritores (UBE-PE) e já se candidatou a uma vaga para a Academia
Pernambucana de Letras (APL). Como é que fica sua timidez na hora
de ter de fazer parte da vida literária da cidade?
GL – Não faço
parte (risos). Sou filiado à UBE, mas nunca vou lá. Em relação à APL,
já declarei que foi um erro me candidatar a uma vaga na Academia. Nunca
mais repito isso! Quando me candidatei, em 94, Waldênio Porto estava com
sua candidatura já feita. No resultado final, o Waldênio teve 20 votos,
o Dirceu Rabelo, 17, e eu apenas 1 (risos). Faz umas duas semanas que
estava vendo TV e Waldênio Porto e Mário Márcio estavam dando uma entrevista
falando do centenário da APL, quando um espectador ligou para o programa
e perguntou, no ar, o porquê de Gilvan Lemos, que ele considerava o maior
romancista do Estado, não ser um imortal. Eles começaram a disser que
não é bem assim... Deram a impressão de que eu nunca havia disputado uma
vaga para a APL, o que não foi o caso. Não gosto de falar muito desse
assunto. Afinal, tudo o que eu disser as pessoas vão dizer que ainda estou
despeitado porque perdi.
JC – O senhor sempre
se disse tímido, então como é que foi largar São Bento do Una, sua terra
natal, para morar em Recife. Foi um golpe de muita coragem, não?
GL – Sim, eu vim
para cá porque queria ser escritor. Lá em São Bento não tinha como, nem
tinha escola. Minha formação literária, primeiramente, foi com gibi, lia
muito. Por insistência de minha irmã é que comecei a ler romances, li
O Conde de Monte Cristo. Teve um tempo em que queria desenhar histórias
em quadrinhos, só depois é que decidi ser escritor. Achava que era mais
fácil, porque não precisava desenhar (risos).
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