Coluna 08 - A Festa do Júri
Publicada dia 16 de Novembro de 2003

A Festa do Júri

Abdon Pereira, zeloso serventuário da Justiça e eficiente "Porteiro dos Auditórios", anunciava da porta do Fórum para a Praça a abertura dos trabalhos do júri popular. Em voz altíssima citava o "Exmo. Sr. Dr. Juiz de Direito da Comarca", a "Justiça Pública" e o "réu preso". Dado o recado, voltava ao recinto da sessão, postando-se ao lado da autoridade maior, o juiz, onde ficava à disposição das exigências de praxe.

No Salão apinhado a multidão abria as alas para a passagem do fortuito réu que, cabisbaixo, entrava escoltado por dois soldados armados de fuzil.

Naquela época, a temporada de júri era uma festa. Durante vários dias, a multidão concentrada nas imediações da prefeitura, onde funcionava o fórum, aguardava o pronunciamento dos srs. jurados, espichando os pescoços na tentativa de enxergar o movimento no interior do prédio, a cada vez que o resultado era anunciado. A torcida era grande.

O Dr. Ernane Séve, jovem promotor público, de estatura muito acima da média, parecia não muito interessado nos debates. Indiferente àquela movimentação, despejava confeitos sobre a sua tribuna, guloseimas estas que seriam consumidas durante todo o desenrolar dos julgamentos.

Argemiro Valença, advogado, veterano nas lides jurisdicionais em São Bento procurava, como era seu ofício, passar os jurados, a imagem de "humilde trabalhador" do réu presente. Eles, os "réus presentes", eram para mim figuras controvertidas. Como poderiam homens simplórios, de aspecto tristonho, de trajes paupérrimos, medalhas nos pescoços, amarelos opacos, pais de família exemplares - as esposas e os filhos andrajosos, geralmente compareciam aos julgamentos -, praticarem crimes tão cruéis? Eu apenas não sabia que os réus, em qualquer parte do mundo, assim se apresentavam, com intuito de sensibilizar o corpo de jurados. Essa encenação tem um nome: estratégia.

As mocinhas sonhadoras da cidade faziam plantão debruçadas sobre a pequena mesa de "acusação", olhos fitos naquela solteirice de promotor público que, cantarolando, fazia "passear", de bochecha a bochecha o confeito da vez. O Dr. Ernane, aqui para nós, não morria de amores pelo ministério público... Anos mais tarde daria prova disso, deixando o emprego público para tornar-se locutor de rádio, muito bem sucedidamente...

Nos julgamentos raramente ocorriam surpresas. Todo mundo sabia, por conhecer as histórias dos crimes e as pessoas neles envolvidas, circunstâncias e minúcias de cada ocorrido. Os inquéritos jamais correspondiam à verdade absoluta dos casos. Os inquéritos oficiais... O inquérito mais confiável era, na verdade, o "instaurado" pelo próprio povo...

Os Srs. jurados, escolhidos entre a população, ocupavam seus lugares no Conselho de Sentença, já convencidos da culpabilidade, ou não, dos réus, embora o "prestígio" dos advogados participantes nos julgamentos fosse levado em conta. O povão adorava as réplicas. Quanto às tréplicas, nem é bom falar...

Apostas eram feitas em plena calçada do Fórum, como numa partida de futebol, valendo escore e tudo mais.

- Dou dez por cinco e o meu escore é sete a zero.

E o que tinha de réu malandro... pelo amor de Deus! Para ilustrar a malandragem de um réu, vai abaixo um diálogo que teria ocorrido durante um interrogatório:

- José Arimatéia da Silva, o senhor está sendo acusado da autoria dos ferimentos, provocados por objeto perfuro cortante, que resultou na morte da vítima, Pedro Bartolomeu. O Sr. confirma ou nega?

- Doutor, eu nem nego nem confirmo... Tô sabendo agora da morte de Pedro, agorinha porque o Sr. tá me dizendo. Por fé de Deus!

Os júris na maioria das vezes eram rápidos. Poucas dúvidas havia quanto à culpabilidade dos réus. Os inquéritos eram simples, rápidos. Raramente ocorria complicação. Uma ocasião porém, o negócio andou perto de azedar, quando funcionários da CILPE, indústria localizada em São Bento, foram acusados de assassinato. Foram todos presos e formalmente acusados através de um inquérito mal conduzido, o que teria levado o Promotor, numa atitude corajosa e inédita em São Bento, a solicitar a absolvição dos réus, por considerar inconsistentes as provas apresentadas. Teria dito sua Senhoria:

- Este inquérito, minha gente, é um verdadeiro balaio de merda!


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