Coluna 11 - UTI de Pobre
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Publicada dia 17 de Janeiro de 2012
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UTI de Pobre
Quem tem plano de saúde Vagabundo como o meu Só pode ser atendido Onde o jumento morreu O abandono é tão grande Que nem Judas mereceu
O hospital de primeira Chega o ricaço gemendo É um vexame danado Um corre-corre tremendo É tudo pra todo lado Gente demais atendendo
Chega o doutor renomado com riso habitual Mentindo pró paciente Pra levantar o moral: -Tudo isso não passou De marolinha banal
Porém a plebe ignara Que tem plano vagabundo Quando chega ao hospital Bem pra lá do fim do mundo - A UTI tá lotada Deixem ele ali no fundo
Pode ser que meia-noite Apareça uma vaguinha Seu Catolé tá em coma E sai já da camarinha Assim que fechar os ói Tragam ele depressinha
O leitor de boa fé Pode não concordar Pra quem não passou por isso É difícil acreditar Diante de tal problema Sou obrigado a gritar
Recorri à emergência De um famoso hospital Com uma dor anginosa Imensa, quase letal Mas não pude ficar lá Por falta de vil metal
Meu “plano” cocô-de-louro Foi de pronto acionado Quando a resposta chegou Eu já estava tresloucado Me jogaram na ambulância Rolando pra todo o lado
Fui direto pra Olinda Num desconforto tão tal Que anima quietinha Voltou com força total Só não sujei a cueca por falta de “material”
Jogando para todo canto Com aquela imensa dor Tal bola de pingue-pongue-pingue-pongue Jogada por amador Até chegar UTI Como reles invasor
Seis leitos daqueles grandes Doze velhos monitores Tubos de oxigênio Mais 50 refletores Pra completar um fogão E dois ressuscitadores
Bem junto à minha cama A véia gorda alarmada Gritava pedindo a Deus A sua morte apressada Enquanto a “douta enfermeira” Trocava a fralda sujada
A enfermeira gordinha Com a gilete na mão Alevantou minha “saia” Pra fazer depilação Me senti como galinha Na hora da pelação
Do outro lado da cama Um enfermo amalucado e cutucava o sovaco Perguntando o resultado De um jogo de futebol Em má hora irradiado
No quarto leito à esquerda Uma mulher entubada Chamava muito a atenção Por estar embriagada Tentativa de suicídio Por sentir-se desamada
No quinto leito à direita A mulher de gigolô Gritava como uma louca Implorando ao seu amor: - Vorta dipressa meu home Tu sôis meu macho e senhor
No sexto leito à direita Chamou-me muito a atenção Um velho magro falando Dia ser alemão Implorava um café E uma taco de pão
Além da fauna diversa Imperando na UTI Uma ruma de enfermeiras Mais malucas nunca vi O barulho era tão grande Que dormi não consegui
Marlene falou a Rita Sobre aquele namorado Que a deixou pela nega De tremendo rebolado - Ninguém escapa da sina De um belo cabra safado!
De repente a porta abre E alguém chama “Ceição” É crioulo que veio Cobrar uma prestação É uma conta tão velha Que ela não lembra não
Procedente do banheiro Vem um som assustador A enfermeira caiu Por cima do aparador Além da bata melada Aquele grande fedor
Por favor feche a cortina Imploro a algum passante Na brecha surge a cabeça de um vendedor ambulante: - Qués castanha, meu cumpade? - Obrigado, venda adiante
Vários dias sem dormir Sem qualquer definição Olhei o doutor surgido Como uma assombração - Tenha calma ó meu jovem Pare a inquietação
Puxando o meu braço esquerdo Pra botar um espelho Recusei e fui dizendo - Olhe aqui ó seu pentelho Eu quero que saia já Não preciso de conselho
Me tacaram uma injeção Que me levou ao espaço Estive em Marte e Netuno Caminhando passo a passo Até chegar em Olinda Com um buraco no braço
Foi quando dormi tranquilo No espaço sideral Não mais ouvi o barulho No meu cubículo infernal Muitas horas se passaram Naquele hospital Finalmente abri os olhos Sob olhares espantados Os meus dois filhos sorriam Por estarem aliviados - Vamos já sair daqui Deste meio de adoidados
Ao terminar o episódio Resta-me a desilusão Com o sistema de saúde Desta imensa Nação Tão cheia de gente humilde Mas lotada de ladrão
Quem quiser ser atendido Em local civilizado É preciso ter dinheiro Mesmo que seja roubado Fazer parte da patota Senador ou Deputado
Se o marajá adoece Exige com altivez - Levem-me pró hospital Para o Sírio-Libanês Lá a conta será paga Bem no início do mês
Desculpe leitor amigo Relato tão amargoso Mas você sabe tambémComo Como tudo é vergonhoso Mas todo pobre é assim: - Só vive porque é teimoso
Um lascado quando chega A qualquer um hospital A causa já está perdida Seja séria ou banal Pode ser uma dor de dente Ou um infarto mortal
A véia magra chegou Cabeça baixa falando: - Vim delatrá a cupira Eu num tô mais enxergando Por curpa da cacaraca Vivo no mundo bolando
A enfermeira grosseira Sem dar pra coitada Descarta o atendimento Nem um pouco delicada - Nóis atende muita gente Mas com cego é na porrada
Noção de tempo perdida Pretendia adormecer Mas um estrondo medonho Me fez de todo grande Voz de mulher a gemer
Um lote de enfermeiros Todos eles da UTI Caíram na bacanal Num escroto tititi Era transa e mais transa Foi tudo que entendi
-Eu agora vou com Cris Maicon vai com Risoneide Duda vai com Lisomar Zeca pega Clisoneide O Xande que é broxado Tem que agarrar Marineide
De frente à patifaria Permaneci encolhido Eu pensei que estava doido Que era um mal entendido Foi quando chegou o chefe Com cara de ofendido
- Cambada de maloqueiros Tudo bêbado e tudo nu Tão pensando na verdade Quisto aqui é randevu? Rosineide vista a roupa Tape depresse esse cu
Vanderlaide minha filha Limpe a cama ligeirinha Olhe ali na cabeceira Tá cheia de camisinha Pegue já a sua bolsa E volte para a cozinha
Vista a roupa direitinho Não esqueça a camisola Pra esconder essa bunda Vista também a caçola Só não lhe boto pra fora Para não pedir esmola
E assim voltei para casa Até meio aliviado Por sair daquele antro De tanto degenerado E rogando ao Bom Jesus Me afaste daquele lado
Se eu tiver outra crise Seja lá ou seja aqui Não permita que me levem Pra aquela UTI Me levem pra qualquer canto Nem que seja para Jucati
FIM
Nota: Folheto distribuído pelo autor, Leone Valença, no dia 6 de janeiro de 2012, e copiado por Orlando Calado para fins de divulgação na internet.
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