ENTREVISTA - 2ª Parte
GILVAN LEMOS
Revista Cult, Fevereiro de 2001
Cult - Sobre sua obra,
costuma-se ressaltar a presença constante da crítica social, seja no plano
político, nas discussões em queas tradições são postas em choque, na exposição
do fanatismo religioso etc. O senhor acredita que essa postura continua
sendo necessária?
G.L. - É importante ressaltar que, no meu caso, não
se trata de literatura engajada. Costumo abordar a realidade, os problemas
sociais. Todavia, a narrativa nunca é um pretexto para discursos políticos.
Sou levado a escrever por uma compulsão natural, congênita. Há quem passe
a vida colecionando garrafas de aguardente, caixas de fósforos, canetas...
Eu escrevo romances, movidos sobretudo pelo poder expressivo. A crítica
social surge de maneira sutil. Evito ser maniqueísta, impor uma opinião,
pois acho importante fazer o leitor pensar. Leio estes novos autores e
tenho a impressão de estar sendo enrolado, as técnicas narrativas e as
supostas inovações servindo muitas vezes para esconder a falta de conteúdo.
Cult - O senhor acaba
de citar as experiências com a linguagem e costuma afirmar ser um romancista
tradicional. Contudo, é interessante notar o quanto em seus livros é possível
perceber de utilização de flashbacks, o trabalho temporal, o discurso
subjetivo dialogando com a descrição objetiva etc. Podemos dizer que essas
características vêm sendo acentuadas em sua obra?
G.L. - Realmente, em O anjo do quarto dia passei a me
concentrar mais nesses conceitos e técnicas. A lenda dos cem é outro que
apresenta muito desse esforço estrutural, que em Morcego cego se torna
mais acentuado. Neste, há três narrativas diferenciadas pelo tempo e pela
linguagem, aglutinando-se no decorrer da obra e encontrando-se no final
da trama. Lido demais com as lembranças e acho que meu estilo finda por
ser um bom retrato disso. Devo acrescentar que minha preocupação sempre
foi escrever algo que pudesse emocionar as pessoas, pois acho que o grande
romance ainda é aquele que nos tira o sono.
Cult - Impossível
não perguntar sua opinião sobre a renovação literária nordestina e, em
especial, a pernambucana. É de fato muito difícil um autor da região entrar
no mercado ou vivemos uma época de escassos talentos?
G.L. - As duas coisas. Entretanto, muitos autores pernambucanos
ultrapassaram as fronteiras do estado, embora sejam nomes representativos
de gerações anteriores. Só para citar alguns, Fernando Monteiro, Everaldo
Moreira Veras, Cláudio Aguiar, Amílcar Dória Matos, José Américo de Lima,
com destaque para Raimundo Carrero, vencedor do prêmio Jabutide 2000,
e o veterano, meu amigo, Alves da Mota. Porém, acho que precisamos acompanhar
mais de perto o crescimento do mercado editorial do país. Diz-se muito
que o brasileiro não gosta de ler, mas é preciso notar quantos lançamentos
há todos os meses. Mesmo dividindo espaço com a TV, o rádio, o cinema e
tantas coisas mais, esse mercado vive um dos seus melhores momentos. Agora,
não imagino um jovem leitor de hoje parado na Rua do Imperador, esperando
para ver passar algum romancista ou poeta, como eu fazia com o José Lins
do Rego. Os tempos são outros, os gênios são muito raros...
Cult - O senhor terminou
recentemente um romance, chamado Vingança de desvalidos. Há previsão de
lançamento?
G.L. - Ainda não. Eu propus à Record “trocá-lo” pelo
que se encontra lá. Do contrário, tentarei outra editora, pois é do meu interesse
que saia ainda neste ano. É uma obra de temática atual,narrada sob o ponto
de vista popular, ilustrando as agruras da chamada classe média; os apertos
pelos quais passa, a desesperança, o desencanto, o ódio impotente diante
dosdesgovernos que a atormentam há séculos. A linguagem em certo sentido
é chula, pornográfica, o que não poderia ser de outro modo. Daí a sua vingança
contra a alta sociedade, a elite estabelecida, a hipocrisia dos falsos
patriotas, a enganosa superioridade do nosso país, com suas riquezas naturais,
sua gente desprendida, honrada e caridosa. As críticas jocosas sobre o presidente
e seus ministros, atingindo igualmente deputados,senadores etc., foram
colhidas diretamente de comentários ouvidos na rua, nas filas de ônibus,
de bancos, de aposentados do INSS (nesse particular, não inventei nada).
Em Vingança dedesvalidos não há um enredo estribado em revolta organizada,tramas
subversivas, desfecho surpreendente. Tudo se encaminhae termina naturalmente.
Os aventureiros, oportunistas, desonestos, mancomunados com o poder conseguem
o que pleiteiam; os honestos, classificados de “bestas”, prosseguem, inconformados,
em sua vidinha obscura.
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