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Coluna 108: Fatos & gente são-bentenses de épocas diversas (30)

Publicada dia 17 de Novembro de 2007

Fatos & gente são-bentenses de épocas diversas (30)

Sem nenhum demérito para com outras gerações, a geração são-bentense dos anos finais da década de 20 e do início da década de 30, do século passado, foi pródiga e revelou talentos nos mais diversos setores da sociedade. Os sobreviventes estão na faixa dos oitenta anos ou beirando essa idade, porém todos fortes e com aparência jovial, fruto talvez das conquistas da medicina, dos medicamentos e também da disposição de caminhar e fazer exercícios leves. Quem olha para Francisco Leone de Souza Valença não diz que ele tem a idade que tem. A mesma coisa podemos dizer em relação a Gilvan de Souza Lemos, nosso produtivo romancista e contista. Na última edição da Feira do Livro de Pernambuco, ele esbanjava saúde, disposição de ânimo e uma alegria contagiante, rodeado de amigos e de admiradores, autografando dezenas e mais dezenas de exemplares de seu último lançamento, o livro de contos "Na Rua Padre Silva". No final dos autógrafos, Gilvan, para espairecer, sacou um cigarrinho e o acendeu com toda elegância e relaxou. Para nós foi uma surpresa ver o mestre fumando mesmo apenas em ocasiões especiais e esporádicas.

Leone é primo de Gilvan e o "Souza" dos seus nomes denuncia o fato. Nutro por Leone Valença uma admiração mais que cinqüentenária. Recordo-me de Leone como um rapaz interessado em tudo que se passava em S. Bento. Como estudante de fora nunca deixou de conversar com os meninos mais novos como o autor destas linhas. Desde aquela época, meados da década de 50, que Leone participava de todos os eventos sociais, culturais e esportivos da cidade, gosto que herdou da figura extraordinária de seu pai, Getúlio, irmão do meu padrinho Orestes Valença, este pioneiro da industrialização do leite. Recordo-me com carinho da figura de Getúlio Valença quase sempre com um charuto Suerdick na mão em seus passeios pelas ruas do centro da nossa urbe. O consultório dentário do prático Getúlio ficava logo após o demolido Cine-Teatro Rex e era na mesma casa em que o saudoso Lívio Valença, clinicava, isto é, quase em frente ao número 92, da antiga Avenida Manoel Borba, onde minha família morava.

Inestimável foi a contribuição de Leone Valença para com a nossa cidade, escrevendo e publicando à custa de grande esforço três excelentes livros: "Crônicas são-bentenses de anteontem", "Novas crônicas são-bentenses" e "Novíssimas crônicas são-bentenses". Com esses três livros, Leone, com todo o seu talento, descreveu gente e fatos de nossa cidade para conhecimento da posteridade. Com esses livros, Leone se tornou um imortal são-bentense e também imortalizou a gente boa e humilde em belíssimas histórias em que presenciou ou que lhe contaram com toda fidedignidade. O autor destas linhas tem apenas um exemplar xerocopiado por seu sobrinho Alberto Esdras de Almeida Manso, filho de Joãozinho de Zé Manso, um dos homenageados por Leone. Esdras é um são-bentense residente em Telêmaco Borba, Paraná. As edições das crônicas leoneanas parecem esgotadas. Em vão, tenho procurado nos chamados "sebos" recifenses. Seria de bom alvitre que o poder público municipal se articulasse com os órgãos estaduais dedicados à cultura e a história municipal, com vistas a republicar a obra do grande animador cultural bentunense.

Leone tem deixado a sua marca inconfundível não só prestando esse grande serviço à cultura são-bentense publicando interessantes livros sobre a nossa gente. A republicação de sua obra a ser vendida a preço acessível poderá incentivar os conterrâneos mais jovens a escrever a respeito da S. Bento de seus respectivos tempos. Compositor de rara inspiração, Leone nos legou, também, a marchinha "Recordando S. Bento" em que o autor vê nossa gleba natal "por outra dimensão", ou seja, a dimensão celestial, ingênua e calma de seus tempos de criança, "carregados de emoção", representada pelas festas de meio e de fim de ano. O poeta Leone é por demais modesto ao cantar que sua "lira é pouca". Sem querer desmerecer antigos poetas que enalteceram a beleza das ruas de S. Bento com seu casario caiado e sua gente pacífica e empreendedora, ninguém cantou a nossa terra como Leone Valença. Tanto letra e música se casam numa simbiose perfeita. Em janeiro de 2005, tivemos a oportunidade de ouvir, emocionado, a execução da nossa marcha que foi adotada como hino à nossa cidade, cantada, em uníssono, na Igreja Matriz, por ocasião da solenidade religiosa em homenagem aos filhos da terrinha que, pelos mais diversos motivos, tiveram que migrar para outras plagas em busca de oportunidades de estudo e principalmente de trabalho.

Em homenagem ao Dr. Leone Valença, destacado cirurgião-dentista, cronista de estilo simples e direto, porém primoroso da gente e dos fatos são-bentenses, transcrevemos a seguir a letra do hino de nossa cidade, uma ode de amor maior pelo nosso chão onde nossos antepassados, no decorrer do século XIX, se estabeleceram com a criação de animais e a lavra da terra.

"TRIBUTO A SÃO BENTO

(OU RECORDANDO SÃO BENTO)

Vejo São Bento noutra dimensão

Com olhos de criança, carregados de emoção

A lua cheia por trás do sobrado

E aquele namorado na esquina de plantão

Vejo São Bento do velho mercado

Onde o meu eco fascinado respondia

Vejo São Bento enfim na nostalgia

Naquela tarde de verão em que eu partia.

São Bento minha lira é pouca

Minha voz é rouca pra cantando te exaltar

Às vezes ser poeta penso

Para num verso imenso poder te homenagear

Eu falaria tão plangente

De uma tarde tão dolente que não esqueço jamais

Eu lembraria as serenatas, nossas passeatas,

Nossos grandes carnavais.

São Bento de Feliciano

Festas de fim de ano, quero mesmo relembrar

Zé Bico, Edésio e Fininho, Rui de Nô e

Doutorzinho, Gonzaguinha e Edgar

Eu lembro o som do cavaquinho

Que da casa dos Coquinhos ia até o nosso chalé

Eu lembro sim e comovido

Acordes tão sofridos do pinho de Jacaré."

Dos tipos são-bentense citados no hino são-bentense, recordo-me de quase todos eles, especialmente de Edésio Valença, sempre de palitó surrado. Era um emérito gozador e contador de piadas que atenazava o mecânico e motorista Humberto, filho do barbeiro e antigo músico da Santa Cecília, Balbino Mendes. De Zé Bico minhas lembranças são vagas, era o incentivador dos jogadores são-bentenses nas memoráveis partidas de futebol no "Stadium Joaquim Gomes", que se caracterizava pela imensa quantidade de pedras no campo de terra. Zé Bico era uma figura são-bentense por excelência, irmão de Vicente Leonel que passava jogo de bicho na porta larga da Mercearia de Zé Cadete.

Já Fininho era um freqüentador constante do "Lux Bar" de Jefferson, filho do escrivão Zé Raimundo. Era realmente um indivíduo magro, de muito boa índole e que, tempos depois, já homem feito, tornou-se um moço roliço, mas, mesmo assim, o povo ainda o chamava de Fininho. Nunca soube o seu nome civil. Por sua vez, Rui, filho de Nô Paiva, fazia parte da elite intelectual e seguindo o gosto do pai pelo teatro atuou como ator nas peças encenadas no Cine-Teatro Rex em suas noites memoráveis. De Gonzaguinha, também citado no hino são-bentense, não tenho a mínima lembrança. Edgar Queiroz era um figura muito querida na cidade. Trabalhava na Mercearia Cadete com Demas Pacheco e Joaquim de Ana. Morreu muito jovem, aos 23 anos, em 26 de janeiro de 1952. Sua morte foi muito sentida.

De Doutorzinho as recordações são muitas. Dono e treinador do Palmeiras, o alviverde são-bentense que usava o mesmo "padrão" do famoso time de São Paulo. Como treinador, Doutorzinho treinava sua equipe na base do ataque titular contra a defesa titular. Recordo-me de uma memorável partida de futebol em Belo Jardim onde o placar foi de 4 a quatro, com o árbitro do antigo povoado do Capim apitando penalidades máximas contra o nosso esquadrão sempre que este passava à frente na contagem. Doutorzinho, que também apitava jogos, interveio. Chamou o juiz na lateral do campo e disse: "Se apitar mais um pênalti, meu time sai de campo." O jogo terminou e a delegação toda subiu no caminhão de volta a São Bento. Saímos de Belo Jardim debaixo de uma saraivada de pedras. Este fato se deu no meio da década de 50 e o redator destas linhas também sofreu horrores, tendo que se abaixar, com os demais torcedores e jogadores, na carroceria do caminhão de Feliciano. Só nos sentimos completamente aliviados quando o veículo atravessou a ponte sobre o rio Ipojuca. Feliciano era uma figura baixinha, dono de caminhão e muito animado nas festas e nos carnavais. Morava onde hoje funciona a "Ciretran" de nossa cidade. Doutorzinho também foi dono de bar e restaurante, além de operador e locutor principal do Serviço de Alto-Falantes "A Voz de São Bento do Una" que todas as noites nos divertia com as gravações em discos de 78 rotações por minuto nas vozes privilegiadas de Chico Alves, Carlos Galhardo, Sílvio Caldas, Orlando Silva, Luiz Gonzaga e tantos outros cantores de saudosa memória que embalaram a nossa despreocupada infância são-bentense.

São Bento sempre teve história. Seria interessante que esse manancial não seja perdido com o tempo. É preciso que alguém registre e escreva sobre a gente e fatos interessantes das duas últimas décadas. Para tanto, os livros de Leone Valença poderiam servir de paradigma. Que apareça alguém disposto a dar continuidade ao belo trabalho do nosso estimado conterrâneo.

Que apareçam, para o nosso gáudio, novos seguidores de Leone Valença com novas histórias do povo bom de nossa cidade.

...

Notas:

1) Texto não revisado pelo autor e, por isso, sujeito a pequenas alterações no tocante a ortografia e concordância.

2) Para ver fotos de S. Bento acesse o nosso site www.orlandocalado.flogbrasil.terra.com.br e deixe seu comentário.

3) Para conversar com o autor, escreva sem receio para [email protected] que terá resposta.

Pau Amarelo PE 17 de novembro de 2007

Orlando Calado é bacharel em direito.

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