Coluna 7: Um século sem presidente paulista |
Publicada dia 13 de Outubro de 2005 |
Um século sem presidente paulista
A história republicana registra o nome de Francisco de Paula Rodrigues Alves como presidente eleito e empossado para o período de 1902-1906. Ele era paulista de gema. Então, descobrimos um fato curioso: faz mais de um século que o portentoso estado de São Paulo não tem a primazia de oferecer ao País um presidente nascido no seu próprio território.
Rodrigues Alves fez um bom governo, dando nova feição urbana a então capital da República, construindo o porto e saneando o Rio de Janeiro das doenças tropicais causadas por insetos e roedores. Ele foi, de fato, o iniciador da política conhecida como café-com-leite de alternância no poder central. No período seguinte de 1906 a 1910, Minas Gerais deu ao país o presidente Afonso Pena, que faleceu em 1909, sendo o quatriênio completado pelo vice-presidente Nilo Peçanha. Na sua sucessão, Nilo se portou como um magistrado, não apoiando nenhum dos candidatos, tendo, já naquela época, adotado o sugestivo lema de "Paz e Amor". Como se pode notar, este lema nada tem de moderno.
Neste mesmo ano a política do café-com-leite tem prosseguimento. São Paulo não indicou um paulista, optou por apresentar com seu candidato o baiano Rui Barbosa, um político e jurista consagrado. Para enfrentar o jurisconsulto, apresentou-se o marechal Hermes da Fonseca, gaúcho, que havia feito excelente trabalho na pasta da Guerra, no governo de Afonso Pena, tendo organizado os quadros burocráticos da força terrestre e implantado o serviço militar obrigatório. Com sua campanha civilista, pela renovação dos costumes políticos e contra o voto de cabresto, Rui não conseguiu suplantar o marechal Hermes nas urnas de 1910.
Para o quatriênio de 1914 a 1918, foi eleito o mineiro Wenceslau Brás, seguindo o pacto estabelecido pelos dois estados mais fortes do ponto de vista econômico. No seu governo, o País declarou guerra à Alemanha. Naquele tempo, o Brasil era uma sossegada republica sul-americana e sem problemas de violência urbana. Às cinco horas da tarde o porteiro do Catete fechava as portas do palácio. O presidente Wenceslau se dirigia ao portão lateral para assistir à saída dos servidores. Após, com toda a tranqüilidade, chaveava o portão de ferro e seguia a pé em direção à sua residência oficial, o palácio das Laranjeiras, dispensando o motorista do automóvel oficial.
Para o período de 1918 a 1922, foi eleito, pela segunda vez, Rodrigues Alves. Este, no entanto, acometido pela terrível gripe espanhola, veio a falecer em janeiro de 1919 sem tomar posse. O vice-presidente Delfim Moreira, mineiro, assumira as rédeas desde 15 de novembro do ano anterior. Como naquela época o vice-presidente da República só assumia o cargo, em definitivo, a partir dos dois últimos anos do quatriênio, Delfim convocou eleições para completar o período presidencial. De notar que o vice-presidente também era doente e seu governo foi todo dirigido pelo ministro da Viação e Obras Públicas, Virgílio de Melo Franco. Foi eleito o paraibano Epitácio da Silva Pessoa que se encontrava na Europa chefiando a nossa delegação à Conferência de Paris, que elaborou o Tratado de Versalhes. Epitácio foi o primeiro presidente a nomear para os antigos ministérios militares os civis José Pandiá de Calógeras (Guerra) e Raul Soares (Marinha). Eles foram excelentes ministros reequipando as duas forças. A atuação deles foi tão significativa que na força terrestre existe um estabelecimento com o nome de Calógeras e na força naval alguns navios ostentaram o nome de Raul Soares. No seu governo tentou implantar uma usina siderúrgica e deu impulso sem precedentes ao combate à seca no Nordeste e a defesa do café, nosso principal produto gerador de divisas.
Para o período de 1922 a 1926, foi eleito, no sistema de alternância no poder, o mineiro Artur da Silva Bernardes, cujo governo foi praticamente sob estado de sítio para enfrentar diversos movimentos militares como o da Coluna Prestes e crises políticas intermináveis. Assim, o governo Bernardes não deu prosseguimento aos projetos iniciados no governo anterior.
Em 1926, São Paulo indicou o candidato à presidência, tendo sido eleito Washington Luís Pereira de Sousa, um paulista nascido na cidade de Macaé, no antigo estado do Rio de Janeiro. Em 1930, o presidente Washington quebrou pela primeira e única vez o pacto mineiro-paulista de supremacia política, indicando para sucedê-lo Julio Prestes, que foi eleito presidente da República no pleito realizado em 1° de março do citado ano. As oposições, alegando que a votação havia sido fraudada e contando com o apoio de forças políticas de Minas, Paraíba e Rio Grande, deflagraram a revolução em 3 de outubro o que provocou a instalação do segundo governo provisório da República, chefiado pelo candidato derrotado, Getúlio Vargas.
Naquele tempo, após o golpe de 1930, Getúlio Vargas não assumiu como presidente da República, pois este título o povo não lhe conferira nas urnas. Preferiu fazer como Deodoro que no golpe militar de 15 de novembro de 1889 assumiu simplesmente como chefe do governo provisório. Só em 1891 é que Deodoro se tornaria presidente de direito, sendo que o mesmo aconteceria em relação a Vargas que em 1934 foi eleito presidente constitucional.
A política do café-com-leite, hoje, parece não mais existir na prática, embora São Paulo tente impor candidatos saídos de sua política. Minas que foi celeiro de grandes políticos hoje se vê numa condição de inferioridade e sem nomes de expressão nacional para disputar o posto máximo da República. Aliás, esse fenômeno parece ser de natureza nacional, uma vez que é flagrante a queda do nível dos políticos, a exemplo dos garotinhos, enéias e severinos que pululam na vida política nacional. Hoje quem elege nossos representantes é a televisão e a prova disso é que temos o pior Congresso da historia republicana. E tudo isso se deve à leviandade dos políticos que apostam numa bagunça geral com vinte e tantos partidos políticos, em que a pulverização dos votos faz com que um presidente eleito não tenha maioria e que, para governar, tenha que pedir apoio a partidos sem idéias e programas, mais voltados ao fisiologismo e ao loteamento dos cargos públicos do que ao idealismo.
Em conclusão, outros políticos radicados em São Paulo chegaram à presidência: o mato-grossense do sul Jânio Quadros (1961) que frustrou o Brasil, ficando no cargo por apenas seis meses. O carioca Fernando Henrique Cardoso (1995 a 2002), intelectual de nomeada e idealizador do instituto da reeleição e por derradeiro o pernambucano Luiz Inácio da Silva (2003 a 2006), forjado nas lides sindicais. Mas parece que a falta de sorte dos paulistas persistirá, segundo os supersticiosos, pois os dois pretensos pré-candidatos (Serra e Alckmin) são calvos e nenhum desprovido de cabelo chegou ao governo da República. Quem viver, verá. Confiram...
Pau Amarelo PE 13 de setembro de 2005
Orlando Calado é bacharel em direito.
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