Portal São Bento do Una - Orlando Calado - A saga de Delmiro Gouveia

Colunas

Cidade

Regional

Navegando: Indisponível

Coluna 11: A saga de Delmiro Gouveia

Publicada dia 13 de Novembro de 2005

A saga de Delmiro Gouveia

A rudimentar hidrelétrica de Anjiquinhos, na cachoeira de Paulo Afonso, no lugarejo alagoano de Pedra, produzia 1.500 cavalos de força, energia mais do que necessária para mover as máquinas da Cia. Agro-Fabril-Mercantil. Era este o nome da fabricante das afamadas linhas de coser “Estrela”, uma pequena unidade industrial que, com o pioneirismo de Delmiro Gouveia, transformaria a história econômica do Nordeste onde predominava a agroindústria do açúcar.

Assim, em 1913, a pequenina Vila da Pedra já tinha iluminação elétrica regular e era, segundo os historiadores, a melhor luz do Brasil. De notar que na época o Recife, centro comercial nordestino por excelência, ainda era iluminado por lampiões a gás, só inaugurando o seu serviço regular de luz e força em 13 de maio de 1914, através da concessionária de serviços públicos The Pernambuco Tramways, que também passou a explorar o serviço de bondes elétricos.

A fábrica de linhas de coser e bordar se desenvolvia a olhos vistos, chegando a uma produção diária de 1.500 grosas de carretéis de linha da marca “Estrela”, a primeira em toda a América do Sul. A unidade industrial também produzia fios para malharia, cordões brancos e coloridos para costura e bordado. Matéria-prima para tanto era o que não faltava de vez que o algodão do tipo “Seridó” era abundante em Pernambuco, na Paraíba e no Rio Grande do Norte.

Delmiro chegou a empregar mais de mil operários e para melhor acomodar a mão-de-obra construiu uma vila operária, onde as mães podiam deixar seus filhos na creche, sendo dessa forma um pioneiro na introdução de benefícios sociais para os trabalhadores.

Ele desafiou o poder econômico dos ingleses que detinham o monopólio da fabricação de linhas e queriam comprar a fábrica da Pedra. Mas Delmiro, com a fibra e orgulho do empreendedor, não se dobrou. Ele incomodava o monopólio inglês do setor. Então os gringos desferiram o primeiro golpe baixo: vender a linha inglesa mais barata e com isso inviabilizar o negócio. Delmiro, então, teve uma idéia luminosa e criou outra marca para substituir “Estrela”, a “Padre Cícero”. Em represália, os gringos da Michelle Cotton lançaram a marca “Bispo” mas não tiveram o sucesso que esperavam, haja vista que o consumidor nordestino preferiu ficar com a marca do famoso sacerdote cearense.

A guerra comercial contra Delmiro não parou por aí e partiu para outras frentes. Os imperialistas foram ao Chile e à Argentina, importadores de nossas linhas, e registraram como sua a marca “Estrela”. No entanto, o destemido empreendedor não se curvou diante do golpe e criou para aqueles mercados um novo rótulo. Surgiu assim, a marca “Brasilejo” com “j” no lugar do “r” para que a pronúncia espanhola se aproximasse da portuguesa. Mesmo saturado pelas perseguições impostas pela Michelle Cotton, diante das constantes propostas para a compra da fábrica, Delmiro resistiu estoicamente, rechaçando todas as propostas dos ingleses.

No dia 10 de outubro de 1917, Delmiro foi assassinado covardemente, em Pedra, com três tiros de rifle, desferidos pelas costas e à queima-roupa. Era o fim do grande empreendedor, um homem inteligente demais e por esta razão tinha de ser eliminado para que interesses subalternos pudessem prevalecer. A família ainda resistiu às investidas durante doze anos após a morte do chefe e em 1929 seus herdeiros aceitaram a proposta da Michelle Cotton e as máquinas da fábrica de linhas foram jogadas nas corredeiras da cachoeira de Paulo Afonso, pondo termo ao sonho do grande nordestino.

O crime jamais foi desvendado. Delmiro Augusto da Cruz Gouveia, nascido em Ipu CE, em 5 de junho de 1863, aos quatro anos perde o pai que morreu na guerra do Paraguai. Ainda menino se muda com a família para Goiana e depois para o Recife. Com pouca instrução e sem dinheiro, começou a trabalhar aos quinze anos como bilheteiro da estação de trem de Olinda. Aos dezoito anos, emprega-se na alfândega e depois trabalha no comércio de couro. Aos 35 anos já era considerado o rei do couro do Nordeste. Em 1899, constrói o mercado do Derby, primeiro estabelecimento comercial do Recife a ter energia elétrica. O mercado foi incendiado pelos seus inimigos um ano depois e Delmiro abre falência. Aos 39 anos e separado da primeira mulher, é acusado de seduzir uma afilhada menor do governador Dantas Barreto e foge com ela para Água Branca, no sertão de Alagoas, onde reconstrói seu império de peles de animais. Em 1903, transfere-se para a Vila da Pedra (Delmiro Gouveia desde 1952) e decide construir a usina hidrelétrica de Anjiquinhos. E finalmente em 1914 inaugura a Cia. Agro-Fabril-Mercantil, desafiando o monopólio inglês na América do Sul.

Delmiro foi um inovador, dando assistência social e médica, escola, creche, água encanada, luz elétrica nas casas da vila operária e cinema para os seus colaboradores e famílias quando ainda nem se pensava em leis de proteção ao trabalho.

Por tudo que ele fez, a vida e obra de Delmiro Gouveia devem ser cultuadas e seu nome inscrito na galeria dos heróis da emancipação econômica do Brasil.

Pau Amarelo PE 6 de novembro de 2005

Orlando Calado é bacharel em direito.

Colunas anteriores: