Os anúncios publicados pelo diário pernambucano, tratando nossos irmãos de origem africana como mercadoria ou como bicho não feria o acendrado espírito católico do colonizador português que aceitava a servidão mais pelo lado econômico. Vejamos, pois, este anúncio publicado em 26 de agosto de 1826, em ortografia da época: "Quem tiver escravos ladinos e os queira vender para Engenho procure no Botequim da rua Rozario, casa terria nº 144 que achará com quem tratar". Outro anuncia dizia: "Quem quizer comprar hum Lustro de Salla novo de muito bom gosto, que ainda não foi servido, e nem visto, e que serve para alguma Capella pequena dirija se a Loja de Ourives na rua do Cabugá nº 65 que lá achará com quem tratar. O mesmo tem huma bacia de cobre estanhado nova para banho, a qual nunca foi servida".
Ainda em 1826, no Rio de Janeiro, mais exatamente no dia 11 de dezembro, o Brasil perdia sua primeira imperatriz, Maria Leopoldina, com apenas 29 anos de existência. Seus últimos momentos não contaram com a presença física do seu augusto companheiro, pois naquela época D. Pedro I comandava o nosso exército contra o Uruguai e o sonho do seu pai, D. João VI, era fazer com que o território brasileiro terminasse no Rio da Prata. Dona Leopoldina era filha do imperador da Áustria, Francisco I, e muito estimada pelos brasileiros, principalmente pelo seu empenho e participação decisiva na nossa independência política. Pedro e Leopoldina se casaram por procuração em 1817. Só no dia 15 de janeiro de 1827 é que se daria o retorno de D. Pedro I. A propósito, o livro "1808", de Laurentino Gomes, descreve o fausto e o luxo que foi a festa deste casamento. Diz o autor na página 295: "Encarregado de negociar o casamento e assinar os papéis em nome de D. Pedro, o então embaixador português, marques de Marialva, protagonizou em Viena um dos espetáculos mais grandiosos e caros que a capital do então Império Austro-Húngaro já havia presenciado".
No dia 25 de maio de 1827, o nosso Diário de Pernambuco publicou a lei que regulava a liberdade de imprensa no Brasil. A propósito, o redator pernambucano assim se expressou em português da época, justificando a publicação da lei: "Como todos fallem em liberdade de Imprença, e poucos se lembrem, que há sobre ella huma Ley, e mui poucos, que a tenhaõ lido, persuadindo-se huns, que nada se pode imprimir, e outros, que se pode imprimir tudo quanto lhes parece, ainda obscenidades, e libelos famosos, tomamos o trabalho de publicar pelo nosso Diario essa Ley, para que o Publico (cuja attençaõ, e reflexaõ reclamamos altamente), lendo-a, posa fazer ideia dessa Liberdade, que tantos reclamaõ, tantos infringem, tantos desconhecem, e alguns aborrecem".
Duas outras notícias marcaram o ano de 1827. Em 15 de fevereiro, Recife passava a ser a capital da Província de Pernambuco e em 11 de agosto, lei imperial criava os dois primeiros cursos jurídicos, longe da corte para não perturbar a ordem, que mais tarde seriam instalados em Olinda e S. Paulo.
No ano de 1828, o imperador Pedro I sancionou a lei dos conselhos provinciais que mais tarde, com o Ato Adicional à Constituição de 1834, se transformariam em Assembléias Legislativas Provinciais. Para muitos brasileiros, o imperador era autoritário e impulsivo e por isso foi pouco a pouco perdendo popularidade. As províncias não se contentavam apenas com os conselhos provinciais: querem mais autonomia e fazer suas próprias leis. A província Cisplatina, anexada por D. João VI em 1817, tornou-se independente e se transformou no Uruguai de hoje. Em 15 de maio de 1828, dá-se início ao curso jurídico no mosteiro de S. Bento em Olinda. E em 28 de agosto desse mesmo ano, o viúvo Pedro I, mulherengo como era, casa com dona Amélia de Leuchtenberg. As comunicações eram deficientes, sem cabo submarino, de modo que os navios vindos da Corte eram "assaltados" assim que chegavam ao porto do Recife. Eles traziam encomendas, cartas jornais e comunicados oficiais do governo imperial. Tudo que era de interesse público era transcrito no Diário de Pernambuco, mesmo que com meses de atraso. No dia 1º de dezembro de 1828 foi publicado sob o título "Avizos Particulares" o seguinte: "Felix Jose Brotas, contramestre serralheiro do trem desta Província aviza ao snr. Vigário do Brejo d´Areia ou a seus procuradores nesta cidade, queira mandar buscar o ferro de fazer hostias, que a mais de hum anno deu a Anunciante para concertar; e quando o não faça dentro em três mezes, o Anunciante o venderá para se pagar da sua mão d´obra".
No ano de 1829 as notícias mais importantes publicadas foram as seguintes: no dia 2 de fevereiro apareceu numa das cabeças da ponte da Boa Vista um pasquim contra o presidente da Província e os portugueses que o apoiavam. No libelo acusatório, o proprietário do Diário, Miranda Falcão, é acusado de ter colaborado para a distribuição dos papéis nos quais sonetos em tom agressivo incitavam a população. Nesse mesmo ano, ele foi absolvido Nesse mesmo dia, um grupo de duas dezenas de pessoas saiu da povoação de Afogados com a firme disposição de instituir um governo republicano na vila de Santo Antão.O grupo foi aliciando mais gente pela estrada de modo que chegou ao destino com quatro ou cinco dezenas de homens, armados de todo tipo de arma, a pé ou a cavalo.Esse grupo assaltou quartéis em busca de armamento e libertou os presos da cadeia pública. O presidente da Província, Tomás Xavier Garcia de Almeida, envia comunicado ao ministro José Clemente Pereira, dando conta que tomou todas as providências para proteger a capital e considerando a ação dos revoltosos como "o único arranco da última cabeça da hidra revolucionária de Pernambuco". O governo da Província precisou de 280 homens para prender os revoltosos da vila de Santo Antão. Ainda em 1829, era instalado o Supremo Tribunal de Justiça. Dois anúncios interessantes, entre tantos outros, foram publicados sempre sob o título de "Avizos Particulares". O primeiro, de 12/01/1829, dizia o seguinte: "A pessoa que por esquecimento deixou uma porção de dinheiro em caza do cirurgião e dentista italiano que mora na rua Madre de Deus, dirija-se a mesma caza que dando os signaes certos lhe será entregue". Honestidade é tudo, mas hoje é artigo de luxo principalmente entre certos políticos. O outro anuncio, de 30/05/1829, dizia o seguinte: "Gratifica-se com 100$000 réis a certo anonimo, se cantar a solo defronte do Palacio do Excellentissimo Sr. Governador das Armas a mesma Letrinha que improvisara no Catucá: dispensa-se-lhe a fileira de matutos, e o incommodo de a entoar sobre algum banco". Por fim, assinale-se a falência do primeiro Banco do Brasil, vítima da grande quantidade de recursos públicos empregada para sufocar rebeliões e os gastos com a campanha do Uruguai. A crise financeira do Império provocou inflação e com a comida mais cara a população passou a culpar o imperador.
No ano de 1830, a notícia mais importante foi a queda do imperador, ocorrida em 7 de dezembro de 1829 e publicada no Diário no sábado nove de janeiro do ano seguinte. O fato se deu quando a carruagem em que viajava o augusto senhor partiu-se, com os cavalos saindo em disparada, lançando ao solo da rua do Lavradio todos os ocupantes.
...
(Na próxima oportunidade, falaremos do ano de 1831 e seguintes, repletos de crises políticas que levarariam à abdicação de D. Pedro I ao trono do Império Brasileiro).
Notas:
- Pelo fato de não possuirmos revisor, os eventuais erros de português serão corrigidos pelo autor.
- Se desejar, entre em contato com o autor para elogios, sugestões, críticas e retificações pelo seguinte e-mail [email protected] que obterá resposta.
- No site www.orlandocalado.flogbrasil.terra.com.br encontraremos centenas de fotos recentes e antigas de S. Bento. Deixe lá seu comentário a respeito delas. Sempre que postamos uma foto, enviamos convite a mais de oitenta pessoas. Devido a essa quantidade, os muitos e-mails caem na pasta "em massa". Não tenha receio de clicar o link quando receber um e-mail automático de "Orlando Calado", pois é evidente que não se trata de uma armadilha para instalar programas fajutos em seu PC.
- Nossa intenção é divulgar a cidade de S. Bento e usando, quando necessária, a crítica construtiva para o seu engrandecimento moral e intelectual..