O Diário de Pernambuco do derradeiro dia do ano de 1864 já trazia notícias da mobilização de tropas brasileiras no Rio Grande do Sul. O motivo dessa movimentação no meio militar tinha uma nobre razão acima de quaisquer suspeitas: o ousado Paraguai havia declarado guerra contra o gigante adormecido, o Brasil, no dia 11 de novembro. No entanto, as notícias que chegavam à província gaúcha ainda não davam conta da dimensão do conflito, que até o ano de 1870 mobilizaria quatro países da América do Sul e acarretaria o trágico saldo de 130 mil mortos em combate ou em razão das dificuldades oriundas do conflito, como a fome e as doenças, especialmente a cólera.
Relembremos que o primeiro ato de hostilidade por parte do governo paraguaio ocorreu em 12 de novembro quando o vapor brasileiro "Marquês de Olinda", sem nenhum motivo, foi retido em Assunção, capital do Paraguai. De notar que a bordo da embarcação estava o novo presidente da província do Mato Grosso e este incidente tomaria proporções inimagináveis. No mês seguinte, dezembro, o ditador paraguaio Francisco Solano López, num ato de insanidade total, ordenou a invasão do Mato Grosso ocasião em que suas tropas assumiram o controle do Forte de Coimbra e de todo o território que tinha em mente anexar. Toda essa ousadia de caráter expansionista iria ser regada com sangue de paraguaios e de argentinos, de uruguaios e de brasileiros de todos os rincões de nossa pátria.
Ao longo de cinco longos anos de dificuldades para o Império brasileiro em sustentar uma guerra sem que, para tanto, estivesse devidamente preparado, os leitores pernambucanos puderam tomar conhecimento dos relatórios do Ministério da Guerra pelas páginas do Diário ou através de correspondências provindas da Corte do Rio de Janeiro a respeito do desenrolar das operações de guerra. Mais do que isso, o periódico pernambucano se engajou na patriótica campanha e chegou mesmo a organizar, com subscrição popular, uma banda de música para doá-la aos batalhões de voluntários da pátria.
Assim é que as tropas da chamada Tríplice Aliança, formada por contingentes brasileiros, argentinos e uruguaios, teriam que lutar contra o ditador Francisco Solano Lopez, que havia substituído o pai, Carlos Antonio Lopez, no governo paraguaio em 1862. O Paraguai em vigoroso crescimento econômico necessitava de um porto para ampliar os contatos com os mercados externos, especialmente o europeu. Para garantir o projeto expansionista idealizado por sei pai, Solano Lopez tentou primeiro um acordo diplomático com o Uruguai, que lhe permitisse uma passagem para o oceano Atlântico e que seria uma base contra possíveis retaliações do Brasil e da Argentina.
Essa idéia já vinha de longe. Havia duas décadas que o Paraguai se vinha preparando e fabricando armamento e treinando o seu exército com a assistência militar de potências européias. Desde 1850, pois, que a fundição de Ibicuí fabricava canhões, morteiros e balas que iriam abastecer suas fortalezas ao longo das margens do rio Paraguai e também navios que saiam dos estaleiros de Assunção. O ditador Lopez contratou cerca de 200 técnicos estrangeiros para a instalação de telégrafos e de estradas de ferro.
Uma intervenção brasileira, em abril de 1864, no Uruguai, levou ao rompimento de relações diplomáticas entre o Brasil e o Paraguai. O Brasil, usando a lei do mais forte, mandou uma missão, chefiada pelo conselheiro José Antônio Saraiva, para exigir dos uruguaios indenização por supostos prejuízos causados a fazendeiros do Rio Grande do Sul por estancieiros uruguaios. Solano Lopez se ofereceu para mediar o conflito de fronteira, porém o Brasil não aceitou. Em represália, o ditador paraguaio cortou as relações com o Brasil e divulgou, em agosto de 1864, um veemente protesto contra a ocupação do Uruguai por tropas estrangeiras.
Afora os problemas de ordem diplomática, no ano de 1864, aconteceram os casamentos de duas filhas do imperador D. Pedro II. A princesa Isabel se casaria com o francês Conde D´Eu no dia 15 de outubro e a princesa Leopoldina com o príncipe duque de Saxe no dia 15 de dezembro. Como as notícias dependiam de navios, esses fatos de fora da província os pernambucanos só tomavam conhecimento com duas semanas de atraso. Também a partir desse mesmo ano o Diário passou a publicar notícias do bispado de Pernambuco, sediado em Olinda, Por elas, os leitores tomavam conhecimento das mudanças de vigários nas paróquias, afinal de contas o Diário apesar de particular era o órgão oficial da província e, como sabemos, a Igreja era ligada ao Estado brasileiro, vínculo esse que só desapareceria, pelo menos no papel, com a proclamação da República em 15 de novembro de 1889.
No dia 24 de janeiro de 1865, era publicado em Pernambuco, com destaque, um ofício do governo da província solicitando providências ao coronel-comandante das armas para a organização, em Pernambuco, do Corpo de Voluntários da Pátria, que iria combater na Guerra do Paraguai. Na época, o nosso exército não era devidamente organizado. O governo prestigiava mais a Guarda Nacional formada na sua grande maioria por oficiais provindos das classes dominantes rurais e urbanas. O Exército não era prestigiado por ser uma organização mais popular, formada por pessoas de classes menos privilegiadas. De forma que o Brasil entrou na guerra sem um exército estruturado e teve que recorrer a alistamentos para engrossar a tropa nas linhas de combate e de retaguarda. O Paraguai, que havia duas décadas se vinha preparando para ter uma saída oceânica, contava com 60 mil homens em armas, enquanto as forças da Tríplice Aliança, formada por Argentina, Brasil e Uruguai, não passavam de 20 mil.
Muitos brasileiros, por acreditar que a guerra duraria pouco tempo, acorreram aos postos de alistamento, porém os primeiros relatos dos combates reduziram drasticamente a quantidade de futuros combatentes. Proprietários de escravos mandavam substitutos, enquanto outros chegavam a ser presos e encaminhados à linha de frente de combate. Há notícia de que muita gente foi apanhada a laço e embarcada, sem nenhum treinamento, para a guerra. Em São Bento, no nosso tempo de menino, diziam que Emídio Dantas Barreto foi um dos que seguiram para o Paraguai a pulso e que dormiu no então arruado de Jupi devidamente amarrado a uma árvore. Como ele voltou da guerra coberto de glórias e com medalhas por bravura diante do inimigo, cursou a escola militar e galgou o generalato para, por fim, ser eleito governador do Estado de Pernambuco em 1912.
O comandante das armas da província, em ofício, recomendava ao diretor do arsenal de guerra a fabricação, com urgência, no próprio arsenal, de 200 fardamentos azuis e outros tantos gorros com as cores nacionais destinados ao Corpo de Voluntários da Pátria em organização na província de Pernambuco, assim como os necessários equipamentos e igual número de chapas de metal "e que lhes deve servir de divisa", conforme modelo que junto enviava.
Em Pernambuco, vários municípios começaram a organizar os seus próprios batalhões de voluntários. Em Ouricuri, 408 homens, entre oficiais e praças, seguiram para o Paraguai, depois de percorrerem a pé 630 quilômetros entre o município sertanejo e o porto do Recife. Desses 408 heróis, sem o mínimo preparo em táticas e estratégias militares, apenas 40 deles sobreviveriam e voltariam à santa terrinha para contar a história.
Nos primeiros meses de luta em 1865, o Paraguai deu as cartas, invadindo o Rio Grande do Sul e a província argentina de Corrientes. O Brasil reagiu primeiro à invasão de Mato Grosso, ocupado por tropas paraguaias desde dezembro de 1864, enviando, primeiramente, uma coluna composta de 2.780 homens. Foram dois mil quilômetros de marcha, saindo de Minas Gerais para só chegar ao destino no final do ano de 1865. Essa marcha se constituiu numa verdadeira epopéia, enfrentando a mata, o cerrado e o pantanal. Muitos dos nossos não resistiram às febres e sucumbiram.
Não havia praticamente estradas e era o Rio Paraguai quem garantia as comunicações com o teatro de guerra. E foram as batalhas no citado rio que propiciaram o avanço das forças brasileiro-argentino-uruguaias. A formalização do tratado da Tríplice Aliança para combater Solano Lopez só ocorreu em 1º de maio de 1865. E no dia 11 de junho travou-se a Batalha Naval do Riachuelo, na qual a esquadra brasileira sob o comando do almirante Francisco Manuel Barroso da Silva derrotou a esquadra paraguaia. Essa batalha encheu de glória nossos marinheiros e a partir de então o controle dos rios da bacia do Prata ficou com os aliados.
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(Prosseguiremos estes pingos de história do império brasileiro no próximo ensaio).
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Notas:
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