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Coluna 143: O presídio de Fernando de Noronha e seu regime jurídico no final do Império (3/3)
Publicada dia 02 de Agosto de 2008

O presídio de Fernando de Noronha e seu regime jurídico no final do Império (3/3)

Nenhum empregado, qualquer que fosse sua ordem ou categoria, poderia ter plantações ou mesmo criações por conta própria ou de outrem. No entanto, não se proibia que, por entretenimento ou para consumo próprio, se cuidasse de plantas hortenses, da criação de aves e outras atividades, contanto que não fosse para exploração econômica, não podendo, assim, vender os produtos nem exportar a título de obséquio a parentes e amigos. Nem mesmo quando o residente saísse do arquipélago poderia levar sua produção econômica particular. O regulamento, pelo menos no papel, era duro. Agora, como sempre, na prática a coisa é outra, em face principalmente da deficiência de fiscalização. Voltando ao regulamento do presídio, nenhum empregado de qualquer ordem e categoria poderia obrigar os presos a fazer o seu serviço particular. Porém, nas horas de descanso do preso, poderia encarregar alguém a algum trabalho, sendo, contudo, obrigado a indenizá-lo.


No presídio de Fernando de Noronha, era proibida a residência de pessoas que não se achassem em serviço. De modo igual, as mulheres de "mau procedimento" que ali existissem seriam retiradas. Mulheres da vida, prostitutas, não tinham vez naquele paradisíaco recanto de Brasil perdido nas águas límpidas do Atlântico do Sul.   Era aquele velho preconceito contra as mulheres que usavam seus corpos em busca de algum dinheirinho que pudesse lhe proporcionar, pelo menos, sua miserável sobrevivência física.


Na ilha de Fernando de Noronha, o comércio era uma atividade absolutamente proibida pelo estado, tanto que o diretor estava legalmente autorizado pelo regulamento de 1885 a fechar todas as vendas existentes, proibindo-as de receber sortimento qualquer que fosse o título ou pretexto. Os condenados empregados nesse comércio eram tratados, sem distinção, como os demais e, por conseqüente, sujeitos aos trabalhos que lhes eram designados.


Aos navios de cabotagem que passassem pelo presídio, a fim de se proverem dos mantimentos necessários para a continuidade da viagem, estes eram vendidos pelos mesmos preços praticados em Pernambuco.  Assim, os gêneros de produção da ilha de que os comandantes ou mestres precisassem deveriam ser requeridos ao diretor do presídio. Os empregados do presídio poderiam mandar vir diretamente de fora os objetos de que precisassem, mencionando-os em uma relação apresentada previamente ao diretor para o seu visto. No entanto, eram apreendidos como contrabando os gêneros que tivessem entrado na ilha que não tivessem constado da relação visada pelo diretor do presídio. Cabia ao diretor consentir que somente os presos de 1ª classe pudessem mandar buscar fora do presídio coisas, porém não poderiam ter a intenção de vende-las, tanto que esses gêneros tinham que ser em quantidade indispensável para o seu uso.


O vestuário, em que era observado um uniforme para cada tipo de classe de preso, e a alimentação dos condenados eram fornecidos à custa da sua diária, porém nunca em dinheiro.  Em outras palavras, o preso pagava a sua farda e sua comida com a diária que recebia pelos serviços nas oficinas, lavoura e outras atividades. Tanto o vestuário como as rações dos presos eram fixadas por tabela que o governo expedia.  Aos condenados que tivessem bom comportamento poder-se-ia distribuir fumo, tabaco e até uma ração de aguardente em certos casos. Como afirmamos em linhas anteriores, todos os presos eram obrigados aos trabalhos designados. Assim, só os presos inválidos e enfermos eram dispensados do trabalho. Os presos que não pudessem enfrentar o serviço pesado eram, a juízo médico, designados para atividades especiais de mais fácil execução.


Os jornais (salários diários) eram abonados integralmente, proibido desconto de qualquer natureza que não fosse para a Fazenda Nacional e esse devidamente autorizado nos casos seguintes: 1) quando não tivesse sido feito regularmente o servi co de cada dia e 2) por indenização ou reposição à Fazenda Nacional nos casos de extravio de gêneros, peças de roupa e outros objetos. Os presos, que desejassem depositar o produto ou parte de seus salários diários na Caixa Econômica de Pernambuco, deveriam solicitar ao diretor, que faria abrir uma caderneta para cada um e entregue aos seus respectivos donos ao término do tempo da pena. Os condenados por toda vida poderiam dispor em testamento as suas respectivas poupanças. As cadernetas de presos que falecessem e o saldo que pudesse existir eram remetidas ao presidente da província de Pernambuco a fim de serem enviadas ao juiz competente para proceder à arrecadação e entregar a quem de direito fosse.


Cada preso tinha uma caderneta em que era escriturada a receita tanto em dinheiro como em gêneros e peças de roupa, fazendo-se todas as declarações concernentes aos descontos e a outras declarações que fossem necessárias, para conhecimento da comissão inspetora.


Eram detentores das chaves do cofre de valores do Presídio, o diretor, o ajudante do diretor e o almoxarife. O cofre deveria ficar em lugar seguro na secretaria. Era considerado contrabando a introdução de bebidas espirituosas (alcoólicas) no presídio, sendo punidos os contraventores de acordo com as circunstâncias. Bebida no presídio de Fernando de Noronha só nos casos de ordem do governo. Também, eram proibidos os jogos de dados, cartas e quaisquer outros. As autoridades judiciárias da província deveriam ter cuidado para que não fossem remetidos para o presídio condenados com pendências de multas, evitando-se, assim, despesa para o Estado no caso de requisições de sentenciados a fim de virem ao presídio do Recife. Em outras palavras, os juizes deveriam evitar a remessa de presos para Fernando de Noronha devedores de multas a fim de se evitar a volta do preso para satisfação delas e conseqüente despesa para o Império.


A partir do regulamento de 1885, ficou abolida a prática de se distribuir gratuitamente aos empregados rações dos gêneros da produção da lavoura do presídio. Aos que requeressem ao diretor, teriam que pagar os preços de Pernambuco. O diretor, julgando mais conveniente à boa distribuição do serviço e melhor alimentação dos sentenciados, poderia estabelecer cozinhas gerais em casas próximas às prisões, a fim de fornecer em refeitório e lugar apropriado comida preparada aos sentenciados.  Poderia haver no presídio uma biblioteca com livros apropriados para a leitura dos presos à custa de donativos e meios que fossem na lei orçamentária do império.


Pelo que vimos no decorrer desses três ensaios, o presídio de Fernando de Noronha tinha norma bem definida e como toda a casa de correção a necessária disciplina. O preso de conformidade com as disposições regulamentares tinham de ter um tratamento humano e ser encerrado em prisões seguras e higiênicas. Os presos de acordo com sua capacidade individual trabalhavam em oficinas, nas lavouras e na pesca, bem como em out5as atividades de natureza econômica. O diretor, como vimos, era o "manda-chuva" do arquipélago e todos os habitantes da ilha, inclusive as guarnições militares, estavam a ele devidamente subordinadas.  Havia no presídio pelo me nos duas escolas de primeiras letras, sendo uma masculina que era dirigida por um dos dois capelães. Para as meninas da ilha, havia na estrutura funcional do presídio uma professora, também de primeiras letras. Havia preocupação, pelo menos em termos regulamentares, para que os presos estudassem. O preso que tivesse condições de ensina era responsável por uma sala de aula. Os presos trabalhavam e ganhavam para sua própria subsistência. Não é como hoje em que as prisões são amontoados de presos sem nenhuma atividade. Os presos que tivesse capacidade e dominasse alguma arte era aproveitado como mestre de oficina. Havia em Fernando de Noronha dois médicos e um farmacêutico para cuidar da saúde dos habitantes. Os presos podiam depositar o salário ou parte dele em caderneta da Caixa Econômica de Pernambuco. Havia três classes de presos. Os que chegavam à ilha eram classificados na 3ª classe e tinham que cumprir certo interstício para chegar a classe imediatamente superior. Os presos de 1ª classe, mercê de seu comportamento, tinham certos privilégios entre eles não ser recolhido à prisão à noite. Poderiam habitar casas existentes na ilha.


No papel as coisas eram certinhas. Precisamos ver se na prática todas as determinações legais eram cumpridas. Continuaremos a pesquisar a respeito do assunto, principalmente a partir de 1885 para ver se encontramos algum relato de ex-sentenciado descrevendo as delícias ou agruras vividas durante o cumprimento da pena no aprazível arquipélago de Fernando de Noronha. Aliás, as autoridades brasileiras bem que poderiam estabelecer colônias agrícolas em lugares afastados dos grandes centros para que o preso pudesse trabalhar e prover sua própria subsistência.


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Para que tenha uma idéia, a tabela de vencimentos anuais (compreendendo vencimentos e gratificações) era a seguinte:


Diretor: 6:000$000 (seis contos de réis); Ajudante do Diretor: 4:000$000 (quatro contos de réis); Secretário: 3:000$000 (três contos de réis); Amanuense: 1:200$000 (um conto e duzentos mil réis); Capelão: 1:700$000 (um conto e setecentos mil réis); 1° Médico: 3:000$000 (três contos de réis);  2º Médico: 2:500$000 (dois contos e quinhentos mil réis); Farmacêutico: 1:500$000  (um conto e quinhentos mil réis); Almoxarife: 2:000$000 (dois contos de réis); Fiel de Almoxarife: 1:000$000 (um conto de réis); Professora  de 1ªs  Letras:  1:200$000 (um conto e duzentos mil réis); Carcereiro (só ordenado):  480$000 (quatrocentos e oitenta  mil réis); Ajudante do Carcereiro (só ordenado): 300$000 (trezentos mil réis). Os guardas do presídio percebiam um salário diário que não podia exceder a 1$600 (um mil e seiscentos réis).


Como praticamente não tinham com que gastar na ilha, os funcionários graduados do presídio poderiam fazer um bom "pé-de-meia", depositando seus vencimentos na antiga Caixa Econômica de Pernambuco, para gastar quando voltassem, em definitivo, ao continente.


 


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Pau Amarelo PE 02 de agosto de 2008

Orlando Calado é bacharel em direito.


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Coluna 77 - 14/04/2007 - Fatos & gente são-bentenses das décadas de 1930 e 1940
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Coluna 70 - 24/02/2007 - O Rio de Janeiro será sempre o Rio de Janeiro
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Coluna 67 - 03/02/2007 - A declaração universal dos direitos humanos
Coluna 66 - 27/01/2007 - A revolta da chibata
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Coluna 64 - 13/01/2007 - Apolônio Sales, um estadista de grande valor
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Coluna 60 - 16/12/2006 - Alguns suicidas famosos (1/2)
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Coluna 32 - 01/04/2006 - Brasil, nova potência petrolífera mundial!
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Coluna 19 - 31/12/2005 - Josué Severino, o mestre e a Banda Santa Cecília
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Coluna 16 - 10/12/2005 - Do Estado pouco ou nada espero
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Coluna 11 - 13/11/2005 - A saga de Delmiro Gouveia
Coluna 10 - 10/11/2005 - O velho na legislação brasileira
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Coluna 8 - 24/10/2005 - Correio eletrônico, maravilha do nosso tempo
Coluna 7 - 13/10/2005 - Um século sem presidente paulista
Coluna 6 - 09/10/2005 - O Grande Pronome 'Lhe' Morreu!
Coluna 5 - 29/09/2005 - Brasil 2005 - Uma Economia Mais Forte
Coluna 4 - 22/09/2005 - As Vestais da Moralidade Pública
Coluna 3 - 15/09/2005 - Mordomia & Nepotismo
Coluna 2 - 07/09/2005 - Tratamento de Excelência
Coluna 1 - 07/08/2005 - Hiroshima - uma covardia inominável


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