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Coluna 151: S. Bento do Una, um breve passeio ao longo de sua história (8)

Publicada dia 27 de Setembro de 2008

S. Bento do Una, um breve passeio ao longo de sua história (8)

A FREGUESIA SÃO BENTO (CONTINUAÇÃO)

Terminamos o ensaio anterior transcrevendo palavras de um pastor batista fazendo um comentário desairoso e ao mesmo tempo mentiroso e preconceituoso a respeito da figura do padre Joaquim Alfredo da Costa Pereira, terceiro titular da paróquia de São Bento. Esse pastor, como dissemos, se chamava José Alves Feitosa, nascido em Santana do Cariri, no Estado da Paraíba. Seu livro, 'Breve História dos Batistas do Brasil' é um apanhado de colaborações para o jornal de sua seita, chamado "O Batista Pernambucano", no início da década de 50 do século XX. Ele se mostra bastante preconceituoso para com a igreja católica e em muitos artigos chega a dizer que o atraso de certos países se deve ao fato de serem nações de maioria católica.

Critica países como Portugal, Espanha, Brasil, Argentina por adotarem o catolicismo em suas constituições ou por terem a maioria de seu povo professando a religião romana. Em muitos artigos ele tem razão ao criticar a ajuda estatal para a reconstrução de igrejas ou promoção de congressos eucarísticos. Mas, fora isso, ele se mostra um norte-americanista convicto e faz elogio às grandes nações que se tornaram ricas e desenvolvidas porque professam os ensinamentos propugnados por Lutero e Calvino. Se vivesse hoje, o pastor José Alves Feitosa teria que voltar atrás em suas idéias destituídas de qualquer verdade científica e baseadas apenas em conceitos empíricos, destituídos, assim, de qualquer fundamento científico.

Vemos hoje que Portugal e Espanha são países altamente desenvolvidos, com alto padrão de vida e dotados de boa infra-estrutura graças à adesão desses países à União Européia, união esta que se constitui num dos maiores fenômenos geopolíticos porque traz no seu bojo países que foram inimigos mortais durante séculos para num esforço comum e concentrado terem como enfrentar as dificuldades e os ingentes desafios de um mundo do século XXI e seguintes, onde só sobreviverão, como potências, os países de grandes dimensões físicas como o Brasil, a Rússia, a Índia e a China, isso sem falarmos nos gigantes Estados Unidos e Canadá que já são altamente desenvolvidos. A União Européia é hoje uma realidade e é liderada por potências como a França, a Alemanha e a Itália, países onde o catolicismo predomina e que sempre foram nações altamente desenvolvidas.

Ao fazermos essas considerações a respeito das idéias desenvolvidas pelo pastor no livro citado, não queremos de modo algum tentar desqualificar a figura desse difusor do evangelho, mas apenas refutar suas palavras maldosas quando afirmou que Né Vilela foi morto por um "preposto do vigário". Em que se baseou esse religioso protestante para afirmar tamanha sandice? Testemunha do fato ele não foi porque o crime se deu em 1898 e o pastor tinha pouco mais de três anos na época. Muito perigoso é fazer-se essa afirmação quando não se sabe se a fonte é isenta. É bem provável que a carta do reverendo Butler, até certo ponto desrespeitosa para com a nascente república brasileira, dirigida ao governador de Pernambuco, tenha tido todos os foros de verdade ao dizer que o vigário Joaquim Alfredo insuflava os católicos contra os protestantes. Ora, como dissemos, o estafeta João Ribeiro não conhecia ninguém na vila de S. Bento, exceto o agente do correio a quem lhe entregava a mala vinda do Recife e no mesmo dia saía com a correspondência são-bentense em direção à capital. O que na verdade aconteceu foi que tanto o estafeta como o agente postal estavam completamente embriagados ou "caneados" no dizer do estafeta. No momento em que os "bodes" iam saindo da vila em direção às suas localidades alguns populares aproveitaram para incitar o "correio" para dar umas pauladas nos missionários. O estafeta estava tão caneado que não conseguiu acertar golpe de cacete algum e ao ser desarmado por um dos evangelistas lembrou-se de que tinha na cintura um punhal, desferindo golpe mortal em Né Vilela. Uma fatalidade.

O processo criminal foi rapidamente instaurado e seis meses depois o "correio" foi condenado. Como houve erros formais na condução do julgamento, o Tribunal da Relação anulou a sentença. Novo júri, nova apelação e nova aceitação das razões do advogado de defesa, alegando nulidades. Um terceiro júri foi realizado em 1902 quando o estafeta João Ribeiro da Silva foi absolvido em razão do seu "estado de completa privação de sentidos e de inteligência ao cometer o crime". Participaram desse julgamento os seguintes cidadãos são-bentenses: Miguel Arcanjo de Morais, Vitalino Rodrigues da Silva, Luiz Teixeira de Paula, Joaquim Martins dos Santos, Joaquim Camelo Lins, André Alves de Espíndola, José Ferreira de Melo, Agostinho Alves da Costa e Torquato Augusto de Siqueira (in "Inocentes e Culpados" de Sebastião Cintra). Como já dissemos no ensaio anterior, em nenhum momento do processo o nome digno do padre Joaquim Alfredo da Costa foi citado nem mesmo de modo indireto, prova absoluta de que nada teve em relação ao crime.

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O padre Joaquim Alfredo esteve à frente da paróquia de São Bento até 26 de fevereiro de 1908. Dele a partir de então pouco sabemos a respeito. No entanto, no mesmo livro e na mesma página (158) o pastor disse mais o seguinte: Esses dois indivíduos tiveram fim triste; acometidos, pouco depois, de moléstias incuráveis, foram medicados por aquele médico, quase vítima fatal da fúria de inimigos de Jesus Cristo. O braço assassino foi meses depois amputado por aquele profissional da medicina que tudo fez para evitar aquela cirurgia drástica, todavia, observou-lhe: "Esse braço que matou meu amigo vai ser amputado, apesar de tudo ter eu feito para salvá-lo".

O pastor não citou a fonte de suas afirmações. Certamente se baseou em relatos orais em que quase sempre se aumenta ou se diminui alguma coisa, sempre de acordo com as conveniências do narrador.

No livro "São Bento do Una: Formação Histórica", página 105, Ivete de Morais diz: O Pe. Joaquim Alfredo da Costa Pereira foi envolvido em um crime praticado em São Bento, no dia 7 de fevereiro de 1898, por João Ribeiro da Silva e que no decorrer do processo nada ficou provado contra o mesmo Padre. A historiadora são-bentense disse que não encontrou no cartório do crime de São Bento os autos relativos a esse rumoroso processo. Sebastião Cintra encontrou e publicou as peças mais importantes no seu livro antes citado. Se Ivete tivesse lido o processo não teria afirmado que o padre Joaquim Alfredo "foi envolvido em um crime praticado em São Bento". Certamente ela se louvou em depoimentos de familiares da vítima e nas declarações feitas em carta pelo reverendo George W. Butler. Não vai nisso nenhuma crítica, pois nós que pesquisamos sabemos das dificuldades que encontramos para descobrir os fatos e muitas vezes somos levados a fazer ilações, mas sempre com os devidos cuidados e baseado na lógica das coisas. São Bento do Una muito deve a Ivete de Morais, bem como a Adalberto Paiva e ao padre João Firmino Cabral de Andrade. Mesmo transcrevendo, sem comentários adicionais, ofícios das autoridades municipais são-bentenses ao presidente da província de Pernambuco, isso muito nos ajudou a compreender a nossa realidade daqueles heróicos tempos. De mais a mais o livro é um referencial e ponto de partida para o conhecimento e o entendimento do nosso passado.

Ivete na página 108 de seu livro conta que soube de muitas histórias interessantes a respeito do médico e missionário norte-americano, George Butler. Vamos transcrever uma delas que tem ligação com o nosso terceiro vigário, mesmo sem indicar a data em que o fato aconteceu: Entre muitas histórias interessantes e muitas vezes impressionantes sobre o Dr. Butler, conta-se e é verídica a seguinte: Inesperadamente, um dia, no consultório o médico recebe uma visita que o fez corar. Era o Pe. Joaquim Alfredo. "Ele era baixo, corpulento, avermelhado e tinha a pele eriçada" O Dr. Butler, recuperando a calma, recebe-o. Examinou-o cuidadosamente, reexaminando-o para não ter dúvida e finalmente disse: "Lamento muito, padre, se eu pudesse daria o meu próprio sangue para vê-lo curado. Seu caso não tem cura! O senhor está com lepra". A presença do Pe. Joaquim Alfredo, no consultório do Dr. Butler chamou a atenção de muita gente de Canhotinho e uma pessoa foi procurar Cornélio, filho de Né Vilela, que era soldado e destacava em Canhotinho e contou da presença do padre. O Dr. Butler foi avisado e esconde o padre em um quarto. Entra Cornélio e pergunta: "Dô, eu soube que o padre que matou Yêyê (Né Vilela) está aqui?" Respondeu o Dr. George: "Não, Cornélio, ele esteve aqui e foi embora. Nena está querendo te ver". Cornélio foi procurar dona Né na e o médico mandou o padre ir embora.

Não se sabe até que ponto esta história é verdadeira nem em que época. No entanto, em relação à doença incurável do padre Joaquim Alfredo citada pelo pastor, a lepra, parece acertada a afirmação. No tocante ao estafeta, ele foi, como vimos, inocentado pelo júri em 15 de julho de 1902. É bem provável que João Ribeiro da Silva já vinha sofrendo de distúrbios mentais, pois que em 12 de abril de 1901 foi encaminhado ao hospício do Recife. Nesse ponto, também, a afirmação do pastor protestante José Alves Feitosa está correta. As duas doenças incuráveis: lepra e loucura.

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Em 4 de agosto de 1902, o padre Joaquim Alfredo da Costa Pereira recebeu, com a filarmônica são-bentense e grande entusiasmo por parte dos fiéis a visita pastoral de dom Luiz Raimundo da Silva Brito, bispo de Olinda, cujo ponto alto foi a realização simultânea de 72 casamentos, sendo dispensados as proclamas e alguns impedimentos.

O padre Joaquim Alfredo da Costa Pereira deixou a paróquia em 26 de fevereiro de 1908. Consta que morreu cego e muito pobre em um hospital no dia 21 de julho de 1928.

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Nota:

Envidaremos esforços no sentido de pesquisar um pouco mais a respeito de Joaquim Alfredo, pois a memória desse extraordinário músico e sacerdote deve ser devidamente enaltecida.

Pau Amarelo PE 27 de setembro de 2008

Orlando Calado é bacharel em direito.

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