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Coluna 2: Tratamento de Excelência

Publicada dia 07 de Setembro de 2005

Tratamento de Excelência

Nos tempos em que vivemos, decorridos quase seis por cento do século XXI, as casas legislativas do Brasil, através de seus regimentos internos, obrigam o tratamento de "excelência" nos trabalhos legislativos de modo geral. É até constrangedor um cidadão no recinto legislativo se dirigir a um pilantra de marca maior, tratando-o por "excelência". Às vezes esse tratamento é dirigido a um ladrão do povo, a um desqualificado que mandou torturar um inimigo usando até motosserra. Não dá para entender esse formalismo besta e sem sentido. Haveria até economia de palavras e de tempo utilizando expressões como "você", porquanto "você" é uma corruptela consagrada de "vossa mercê", um tratamento bonito e respeitoso sob todos os aspectos. Então, nas casas legislativas, também se poderia utilizar o tratamento de "senhor" para os mais velhos. Seria tão bonito, muito mais republicano do que a utilização pernóstica de sua excelência ou vossa excelência.

É uma questão muito séria. O cidadão não sabe como deve ser tratado o senador, o deputado ou prefeito. Afinal, o cidadão pode estar diante de um fraudador de licitações, de um ladrão de verbas públicas, daquela verba da merenda ou daquela verba para o transporte escolar, enquanto as crianças e estudantes não têm uma merenda substanciosa, nem direito a um transporte para sua escola rural ou urbana. Quantas vezes o estudante tem que andar horas para alcançar a sua escola? Chega cansado e esfomeado e não lhe servem a merenda que poderia melhorar o seu rendimento escolar, pois como ensina a sabedoria popular "saco vazio não se põe de pé".

Lembro-me, certa feita, de um prefeito de uma cidade do Sergipe que recebeu uma camioneta por conta de verba federal do transporte escolar. Enquanto os estudantes rurais tinham que vencer enormes distâncias para chegar à escola, a camioneta estava na capital do Estado servindo os filhos e amigos do prefeito. Suprema covardia, uma covardia feita com recursos arrancados do contribuinte que se vê enganado, de vez que seu imposto não tem o emprego justo.

Não se pode, em hipótese alguma, tratar de excelência os que desviam verbas públicas. Então se torna necessário que os regimentos sejam quebrados, como vem fazendo o senador Cristovam Buarque que só trata os seus pares de "senhor". E até hoje não foi enquadrado no código de ética. Não se compreende a combativa Heloísa Helena ficar tratando os seus colegas de "excelência". Ela e mais essa turma jovem do parlamento deveriam ser os primeiros a se insurgir contra esses tratamentos não republicanos. Bem faz a deputada carioca Laura Carneiro que nos seus interrogatórios pede ao interrogado para tratá-lo pelo pronome você. Ela no caso dispensa o tratamento "vossa excelência". Nobre deputado, nobre senador. Nobre por que? Não estamos mais no Império. Ninguém tem título de nobreza. Ninguém é um barão do Rio Branco ou o duque de Caxias para ter o tratamento de "nobre". Em regime republicano não há nobreza. Todos são republicanamente iguais. Na revolução pernambucana de 1817, movimento republicano e separatista, um dos artigos da constituição proibia todos os tratamentos que não fossem "tu". No entanto, como o "tu" tende ao desuso, implantemos de uma vez por todas o tratamento "você" e "senhor", pois que uma cláusula da constituição brasileira diz que todos são iguais. São?

Deve ser muito complicado para um cidadão pagador de impostos tratar um sonegador de recursos como "excelência", um cara que compra nota-fiscal falsa ou simulada para justificar desvio de verba e enganar os tribunais nas prestações de contas. Por falar em cidadão contribuinte, o técnico de futebol Wanderley Luxemburgo ficou muito enrolado quando foi chamado e humilhado diante de uma CPI que investigava a CBF e os contratos da Nike. Foi um longo bafafá presidido pelo notável Álvaro Dias. Até hoje não se sabe em que deu o relatório da CPI da Bola. Essas CPIs, como auxiliares do Ministério Público, são um fracasso. A exemplo da CPI do Banestado que em última análise era um briga política entre o PSDB e o PT. Suas excelências gastaram o dinheiro do povo com depoimentos, passagens e diárias até para os Estados Unidos, sem nenhum resultado prático. No caso de abortamento de uma CPI seus membros deveriam indenizar o Brasil por seus gastos jogados no ralo.

Exmo Sr. Senador pelo Pará recebedor dos recursos da Sudam para construir barcos fluviais que nunca saíram dos estaleiros e cujos recursos nunca retornaram ao BASA e candidato não aceito para integrar o TCU,

Exmo Sr. Deputado, presidente licenciado do PTB, recebedor de recursos para o caixa 2, através dos seus indicados para Correios, IRB e Eletro-nuclear,

Exmo Sr. Senador por Roraima, ex-Ministro da Previdência, ex-líder do PSDB no Senado, que apresentou como garantia de empréstimo à sua empresa Frangonorte, junto ao BASA, seis fazendas hipotéticas,

Exmo Sr. Deputado pelo PMDB do Pará recebedor de recursos da Sudam para criar rã e outras maracutaias cujo dinheiro nunca retornou aos cofres públicos,

Exmo Sr Ministro-Presidente do BC, que se elegeu, em 2002,deputado pelo PSDB de Goiás e promoveu, segundo denúncias, remessas ilegais para o Exterior,

Exmos. Srs. Governadores que se apropriaram de recursos de folhas de pagamento falsas de Roraima ou pagaram mensalidade para obter maioria nas votações da Assembléia de Rondônia,

Exmos. Srs. Prefeitos que desviaram recursos do FPM, do FUNDEF e outras verbas para suas contas particulares,

Exmos. Srs. políticos que de uma maneira geral empregam mulher, mãe, pai, filhos, primos e cunhados entre outros em seus gabinetes, secretarias de Estado ou órgãos públicos

Tenho a dizer a todos que se tratam por excelência que é chegada a hora da informalidade. Abaixo esses tratamentos não republicanos e igualdade entre todos os brasileiros!

Paulista - PE, 28 de agosto de 2005

Orlando Calado é bacharel em direito.

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