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Coluna 20: Os gatunos da esperança

Publicada dia 07 de Janeiro de 2006

Os gatunos da esperança

A Argentina vem de fazer minucioso levantamento dos casos de corrupção descobertos no país, desde 1980, o qual revela o tamanho do estouro nos cofres públicos decorrente de desvios de dinheiro em favor de políticos e altos funcionários de governo.

Os políticos argentinos e seus asseclas encastelados na máquina estatal furtaram mais de 10 bilhões de dólares ao longo dos últimos vinte e cinco anos, por meio de centenas de casos de fraudes que se tornaram públicas e que foram denunciadas à Justiça. Essa mesma Justiça tão lenta e sonolenta como a nossa que se perde num emaranhado de papéis inúteis que só complicam. Some-se a isso a bateria de recursos que os Códigos de processo civil e penal admitem, fazendo com que as causas se prolonguem tanto que em muitos casos os réus morrem e os sobreviventes não são condenados nem têm os bens bloqueados.

O Centro de Investigação e Prevenção contra a Criminalidade Econômica (Cipce) inaugurou um banco de dados com informações a respeito de 750 casos encaminhados à Justiça argentina desde 1980, envolvendo duas mil pessoas e mil empresas.

“Com os dez bilhões de dólares perdidos, a Argentina poderia eliminar a indigência”, afirmou um porta-voz do Cipce, indignado com o tamanho estimado do desfalque ao erário público.

Esta é a primeira vez que um banco de dados reúne a “nata da nata” da corrupção na Argentina. O Centro pretende ser um arquivo-vivo sobre os corruptos e os corruptores daquele país. Tem a pretensão de tornar visíveis os casos de corrupção e o acompanhamento dos casos a fim de evitar a sistemática impunidade jurídica ou o esquecimento dos processos que tramitam no burocrático sistema judicial até que alcance a prescrição, ocasião em que ficam livres de punição.

Outra novidade do novo órgão não-governamental é que o público terá livre acesso às informações sobre todos os casos de corrupção na máquina pública. Essa novidade quer nos parecer suficientemente salutar na medida em que despertará o interesse das pessoas comuns pelo deslinde dos processos abertos e se constituirá, certamente, numa poderosa ferramenta inibidora de possíveis novos corruptores e corruptos que se locupletam com o suor gerado pelo trabalho do povo.

De todos os 750 processos que integram o banco de dados, houve condenação em apenas quinze casos, ou seja, dois por cento do total. Isto é uma produção ridícula para qualquer sistema judicial e sinal de que os procedimentos judiciais devem ser reformados para que se condene pelo menos em oitenta por cento dos casos, com a celeridade e a segurança jurídica que cada caso requer.

Entre as estrelas do banco de dados, estão os ex-presidentes Carlos Menem (1989-1999) e Fernando de la Rúa (1999-2001) e o ex-ministro da Economia, Domingo Cavallo, o camarada que por decreto determinou que um peso depositado em banco ou em poder do público tinha o mesmo poder aquisitivo do dólar americano. Ficção pura. Ficção que empobreceu de maneira rápida uma boa parte da classe média argentina e lançou as classes mais pobres na miséria.

Menem foi processado por possuir 6 milhões de dólares em contas não-declaradas ao fisco na Suíça, ao lado de diversos assessores. Nos dez anos de governo, Menem fez miséria e se apropriou de bens do país. Também foi processado pelo contrabando de armas à Croácia e Equador entre 1991 e 1995. Fernando de la Rua, por sua vez, é protagonista do escândalo de pagamento de 5 milhões de dólares em subornos a senadores para que estes aprovassem a reforma da lei trabalhista no ano de 2000.

Como se pode verificar, essa história de pagamento de suborno a parlamentar parece vir de longa data e se dá em diversas latitudes e longitudes. Aqui no Brasil houve aquela denúncia de pagamento de cem mil reais a certos deputados para votar a favor da emenda constitucional da reeleição, quebrando um princípio constitucional de veto à reeleição que vinha da Constituição de 1891. No Brasil de hoje, essa prática foi denominada de “mensalão” muito embora tenha havido pagamentos esporádicos a mais de uma dúzia e meia de deputados brasileiros, para que estes votassem as reformas de que o Brasil carecia e carece para fazer face aos desafios de uma economia mais dinâmica que traga reais benefícios para a grande massa que vive à margem modernidade.

O ex-presidente Fernando de la Rúa também está sendo processado pelo desvio de 38 milhões de dólares na construção de uma estrada.

Pobre, rica Argentina! Tanto quanto o nosso Brasil é vítima permanente dos “gatunos da esperança” de melhores dias para nossa gente, especialmente os mais necessitados. Certos políticos são mestres em nos surripiar, em nos enganar e assim nos roubam, a cada eleição, a esperança de um país mais justo e solidário.

Um banco de dados de todos os casos de corrupção praticados no Brasil deve ser criado na estrutura de uma dessas sérias organizações não-governamentais (ONGs) voltadas para a transparência e a honestidade no trato com o dinheiro dos nossos impostos. Seria de todo interessante esse acompanhamento e cobrança de providências na Justiça para que todos os casos de desvio de dinheiro público chegassem a uma solução rápida e justa em favor do nosso sofrido povo.

Pau Amarelo PE 13 de outubro de 2005

Pau Amarelo PE 07 de janeiro de 2006

Orlando Calado é bacharel em direito.

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