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Coluna 28: Um sábado sangrento no Recife

Publicada dia 04 de Março de 2006

Um sábado sangrento no Recife

Naquele ensolarado sábado, dia 3 de março de 1945, Demócrito de Souza Filho sai de casa elegantemente vestido num terno branco de diagonal inglês, como era chique na época. Ele se dirige à Faculdade de Direito, onde se juntaria a outros acadêmicos para uma manifestação contra o regime de Getúlio Vargas e por via de conseqüência um ato político de apoio ao Brigadeiro Eduardo Gomes, candidato das forças ditas reacionárias à presidência da República.

Getúlio estava no poder há mais de quatorze anos, primeiro como chefe do governo provisório do final de 1930 até a promulgação da Constituição de 1934. A partir da nova constituição foi eleito indiretamente pela Assembléia Constituinte, com mandato até 1938. Acontece que em 10 de novembro de 1937, Vargas, com o apoio dos militares, promove um golpe de Estado impondo ao Brasil uma constituição autoritária, conhecida nos meios jurídicos como a “polaca”. A partir de então, Getúlio Vargas assume plenos poderes, fechando os parlamentos em todos os níveis e nomeando gente de sua estrita confiança para assumir o governo nos Estados. Tudo isso fez com que uma minoria aristocrática e reacionária se colocasse contra seu governo. Getúlio tinha dado os primeiros passos com vistas à industrialização do País com a implantação da Usina Siderúrgica Nacional e a criação do Conselho Nacional do Petróleo.

A elite estava cansada de Getúlio. Principalmente por ter baixado a Consolidação das Leis de Proteção ao Trabalho (CLT) e modernizado o Código Penal brasileiro, sendo de se destacar que estes diplomas legais ainda estão em pleno vigor, muito embora estejam a pedir modificações que os adaptem aos tempos em que vivemos.

Membro que era dessa mesma elite reacionária, Demócrito exercia com todo furor ódio ao regime que já vinha de muito longe. Na madrugada desse sábado fatídico, o acadêmico, que era colaborador do Diário de Pernambuco, foi procurado por policiais e levado à Delegacia Auxiliar onde foi advertido pelo delegado Fábio Corrêa, a respeito do ocorrido na tarde do dia anterior, no Bar Lero-Lero que ficava ao lado do antigo prédio do jornal na Pracinha. Demócrito, num gesto teatral, subira em uma mesa do bar e retirara a foto oficial do ditador Getúlio Vargas da parede e a destruíra, sob os aplausos dos freqüentadores do bar.

A passeata de 3 de março saiu da Rua do Hospício e passou pelas ruas da Imperatriz e Nova. Embora avisados de que a polícia estava na Praça da Independência, os manifestantes, destemidos e envolvidos por palavras de ordem, não param.

A pequena praça logo se enche de estudantes e populares. Todos atentos aos oradores, que se utilizam de uma sacada da sede do Diário como tribuna. Quando Gilberto Freire inicia sua oração, já se ouvem os primeiros disparos de arma de fogo, disparos de advertência partidos de elementos da temível polícia política e social. O orador, corajoso, não interrompe sua fala, nem tão pouco a compacta massa se dispersa. Então os agentes do regime começam a fazer fogo em direção à sacada.

Demócrito é atingido por um tiro na testa e cai de costas para dentro da redação. Do outro lado da praça está Manuel Elias dos Santos - o Elias Carvoeiro, que tomba, ferido, juntamente com outras sete pessoas.

Demócrito é conduzido para o Pronto Socorro em sangue. Falece por volta das 9 horas da noite. Elias Carvoeiro também é socorrido com os demais feridos, porém vem a falecer dois dias depois. Os sete outros feridos, presumivelmente opositores do regime, sobrevivem aos ferimentos: Rui de Lima Cavalcante, José Maria de Moura Marques, José de Lima, José Macedo de Arruda, Caetano Francisco Durães, Manuel Alves da Silva e Lourival Fagundes.

Como já foi dito, o ato público foi um protesto contra a ditadura e em apoio à candidatura do Brigadeiro Eduardo Gomes à presidência da República, que no dia 2 de dezembro seria derrotado pelo General Eurico Gaspar Dutra, candidato apoiado por Vargas que por sua vez, temendo-se novo golpe, seria deposto pelos militares em 29 de outubro de 1945.

O atentado repercutiu Brasil afora, tendo Eduardo Gomes transmitido telegrama a Gilberto Freire e Aníbal Fernandes, em repúdio à violência e em solidariedade à família do universitário, esquecendo a família do pobre Elias Carvoeiro, o operário.

De notar que à frente da chefia de Polícia estava Etelvino Lins que, no dia seguinte ao atentado, substituiu, sem remorsos, o interventor Agamenon Magalhães, que fora convocado por Getúlio Vargas para assumir a pasta da Justiça e Negócios do Interior.

O agitador Demócrito de Souza Filho nasceu em 27 de outubro de 1921 e hoje é nome de rua no bairro da Madalena e nome do diretório acadêmico da Faculdade de Direito do Recife. Manuel Elias, o carvoeiro, também é nome de rua, desde 1955, no bairro do Cordeiro. Tudo na capital de Pernambuco.

Na mesma noite de 3 de março de 1945, o Diário de Pernambuco foi empastelado pela polícia de Etelvino Lins, que anos mais tarde assumiria, pela segunda vez, a chefia do poder executivo de Pernambuco, eleito que fora, desta vez, pelo povo pernambucano, em substituição, por coincidência, a Agamenon Sérgio de Godoy Magalhães, falecido no dia 24 de agosto de 1952.

Este episódio é uma página triste na história política de Pernambuco - o Leão do Norte, porquanto não havia necessidade nenhuma de a polícia atirar covardemente contra as pessoas reunidas em ordem e sem armas.

Portanto, sessenta e um anos e um dia são passados dessa tragédia política.

Pau Amarelo PE 4 de março de 2006

Orlando Calado é bacharel em direito.

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