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Coluna 29: Os livros de Sebastião Cintra

Publicada dia 11 de Março de 2006

Os livros de Sebastião Cintra

Como pesquisador de notável valor e acuidade ímpar, Sebastião Soares Cintra legou à nossa cidade dois excelentes livros: “Inocentes e Culpados no Tribunal do Júri” (1986) e “Os Cintra de São Bento” (1983), além de “Vozes de Bentuna” (1986), uma coletânea de versos de vários autores são-bentenses.

A primeira obra é uma síntese do homicídio, abrangendo a série histórica incompleta de 1818 a 1930. É pena que o trabalho não seja completo de vez que diversos processos referentes a longos lapsos de tempo não foram localizados no cartório dos feitos criminais. É, também, de se lamentar que a história do crime contra a vida na antiga comarca de São Bento não se tenha estendido, pelo menos, ao ano de 1980.

O autor justifica o fato alegando que não trouxe a pesquisa além de 1930 com receio de ferir suscetibilidades ao evidenciar os homicídios recentes. Excesso de zelo e ética do pesquisador, uma vez que o processo criminal nos casos de crimes contra a vida não sofre restrição legal, porquanto os julgamentos são públicos e naturalmente não correm em segredo de justiça.

Para cada homicídio ocorrido, Cintra faz uma historinha para ajudar o leitor a vivenciar os motivos que levaram irmãos, no sentido lato, a eliminar a vida de outros seus semelhantes, pois que não há bem maior que a própria vida que deve ser extinta naturalmente na velhice ou por doença incurável em qualquer idade, ou mesmo em casos de acidentes.

O júri popular é uma instituição derivada do direito inglês, embora tenha sido adaptado às nossas condições de vida nos trópicos. O corpo de jurados era formado por nove membros segundo o Código de Processo Criminal do Império. Já na República, o Código de Processo Penal estabeleceu apenas sete jurados. Cintra, ao transcrever o nome dos jurados que funcionaram nas diversas sessões do tribunal do júri, prestou significativa homenagem aos homens que ajudaram a construir nossa imortal São Bento, especialmente no período de 1866 a 1930.

Os homens importantes da cidade eram chamados a decidir pela inocência ou pela culpa dos réus, muitas vezes colocando a emoção acima da razão e julgando quase sempre contra as provas dos autos. Essa é uma característica do Tribunal do Júri. Os juízes são juizes de fato e não precisam ter conhecimentos técnicos para exercer o papel de jurado. Assim, os jurados após os embates da acusação do Ministério Público e da defesa, reuniam-se na sala secreta para responder os quesitos que fundamentariam a decisão do juiz de direito-presidente.

Como jurados, entre outros, especialmente no período de 1866 a 1930, encontramos figuras pertencentes a famílias tradicionais: Joaquim Soares da Rocha, José Camilo Valença, Felipe Manso Santiago, Elias Coelho Cintra, Manoel de Holanda Cavalcanti. Joaquim Manso da Silva (possivelmente Quicas Lelê, pai de José Manso da Silva), Joaquim de Almeida Calado, Caetano de Oliveira Cintra, Liberato Augusto de Siqueira, João de Oliveira Valença, Francisco de Almeida Calado (seu Chiquinho Cadete), José Tiburtino de Souza, Pedro Raimundo da Silva, Jacinto de Almeida Calado, Luiz Simões de Moraes, Federalino da Silva Lemos, Luiz de Almeida Calado (meu pai), Manoel Porfírio dos Santos, João Cordeiro Galvão, José Odilon de Almeida, Elias Cintra Valença, Bento Correia Crespo e tantos outros que tiveram seus nomes “resgatados” por Sebastião Cintra das páginas amareladas dos processos criminais da antiga Comarca de São Bento.

Da leitura de “Inocentes e Culpados” tiramos o nome de diversas localidades e sítios onde os crimes foram consumados ou onde as testemunhas moravam e que, na época, estavam sob a jurisdição da velha comarca. Eis alguns nomes de poéticas localidades: Riachão, Poço da Lama, Caldeirão, Gameleira, Taquara, Brejo da Taquara, Basílio, Poço Doce, Ribeira do Una. Santa Cruz, Gurjão, Caiana, Mocós, Gado Bravo, Baixa, Tatu, Caracol, Velhana, Gama, Mata Redonda, Riacho Doce, Queimada Grande, Xicuru, Retiro, Una, Igrejinha e tantas outras.

O outro livro de Sebastião, “Os Cintra de São Bento”, é uma preciosa obra, catalogando a sua grande e importante família são-bentense. É pena que no livro Sebastião tenha pouco falado dele próprio, como sua atuação como membro da Força Expedicionária Brasileira (FEB). Ele, também, não discorreu a respeito de sua profícua atuação como vereador pelo antigo PTB de Getúlio Vargas. Lembro-me de um corajoso pronunciamento seu na tribuna da Câmara de Vereadores de São Bento do Una, defendendo com todo vigor e raro brilho o romance de estréia do notável Gilvan Lemos, "Noturno sem Música” nos idos de 1956. A obra causou grande escândalo na sociedade são-bentense de então que não aceitava uniões espúrias, mesmo em pura ficção, como o amor de um adolescente chamado Jonas por uma mulher casada. É bem provável que, com a evolução dos costumes, a obra do genial autor são-bentense não causasse o furor que causou há exatos cinqüenta anos. Sebastião Cintra, também, não falou, com detalhes, de seu excelente trabalho no Diário de Pernambuco quando, como correspondente, levava ao conhecimento de Pernambuco e do Brasil os fatos acontecidos na pequenina São Bento.

“Os Cintra de São Bento” é uma obra de grande fôlego que me despertou a atenção. Por ela, tomei conhecimento que Caboclinho, antigo empregado de Souza Valença, era da família Cintra. Que Augusto Lins, pai de Bia e Bola, era da mesma família. Que dona Susete, proprietária da pousada Bom Recanto, era filha de Indoleto Pimentel de Almeida. Não me lembro de Indoleto em São Bento, mas me lembro do seu nome que me soava diferente aos meus ouvidos infantis. Dona Susete, por parte de mãe, é da família Cintra.

Emocionei-me ao ver a bela figura humana de dona Zezé, filha de Elias Cintra, mãe de meu amigo de infância, Carlos Eduardo. Eu tinha grande admiração pela notável dama são-bentense que me aceitava de bom grado como amigo de seu filho, por confiar em mim.

Seria tão interessante que outras importantes famílias de São Bento fizesse o seu esboço genealógico. O livro de Sebastião pode, e muito bem, servir de paradigma para o levantamento dos diversos esboços genealógicos. O livro de Sebastião me animou a fazer um breve estudo genealógico da minha família Cadete para que os pósteros não esqueçam os seus antepassados.

Em homenagem a Sebastião Soares Cintra, nascido no sítio Caldeirão, às margens do rio Una em 14 de janeiro de 1922 e falecido no Recife em 1° de fevereiro de 2004, transcrevo breve nota dele próprio: "(...) estudou no Aprendizado Agrícola de Tamandaré (PE) no período de 1933 a 1939, onde concluiu os cursos primário e profissional, este abrangendo conhecimentos teóricos e práticos sobre agricultura-geral, zootecnia, veterinária, física, química, história natural, matemática e outros. O educandário era mantido pela União Federal e possuía um campo experimental no Engenho Saltinho, onde eram ministradas as aulas práticas. Em 1944, serviu como sargento na FEB, incorporado no 11° Regimento de Infantaria, (...) Em 1957, foi nomeado para o antigo Instituto de Aposentadorias e Pensões dos Comerciários (IAPI) e lotado na agência de Caruaru. Em São Bento, foi correspondente do Diário de Pernambuco a partir de 1948. Vereador por diversas legislaturas. Secretário da Prefeitura Municipal de São Bento do Una na administração de Oswaldo Celso Maciel (1960-1964). Colaborou no jornal “Vanguarda” de Caruaru e em “O Ginásio” do Ginásio Lenita Fontes Cintra. Casou em 20 de novembro de 1945 com Maria Nazaré de Almeida Calado, de família são-bentense, tendo dois filhos: Marcos Ovídio de Almeida Cintra, médico dermatologista, nascido no Recife e Olga de Almeida Cintra, professora de inglês, nascida em São Bento do Una e casada com Edílson de Barros Pereira.

A nossa cidade muito deve a Sebastião Cintra pelos dois livros que trouxe a lume e pelo seu acendrado amor que nutria por sua São Bento do Una, sua verdadeira paixão.

Mesmo na eternidade, como são-bentense que muito moço deixou a cidade, quero agradecer a Sebastião o muito que ele fez em prol de uma bibliografia cem por cento são-bentense que trouxesse aos pósteros um pouca da nossa história.

Receba, pois, esta singela homenagem onde quer que você esteja e os nossos mais sinceros agradecimentos pelo que fez pela memória de nossa eterna cidade de São Bento do Una.

Pau Amarelo PE 11 de março de 2006

Orlando Calado é bacharel em direito.

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