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Coluna 33: Nome de rua não deve ser mudado

Publicada dia 08 de Abril de 2006

Nome de rua não deve ser mudado

Numa das páginas que precedem o início do romance "Xangô de Baker Street", do humorista Jô Soares, há uma bem elaborada planta da mui leal e heróica cidade do Rio de Janeiro que me causou grande interesse. A carta geográfica abrange o centro da cidade e bairros circunvizinhos como Lapa, Glória, Catete, Laranjeiras, Flamengo e parte de Botafogo. No sentido do norte, a planta elaborada na segunda metade do século XIX mal chega à atual Praça da Bandeira.

Observando-se com atenção o trabalho cartográfico, é de se espantar que poucas ruas do centro do Rio e das imediações mudaram de denominação, o que prova, de certo modo, o respeito que o povo carioca tem para com as pessoas homenageadas e com os fatos históricos que ensejaram a escolha do nome da via pública. É certo que novos nomes de ruas e avenidas surgiram, mas em razão da abertura das modernas e grandes avenidas e do arrasamento dos morros do Castelo e de Santo Antônio.

No antigo estado da Guanabara, que existiu de 21 de abril de 1960 até 15 de março de 1975, seu primeiro governador eleito pelo povo, Carlos Lacerda, tentou mudar o nome da Rua das Marrecas. Impingiu, por força de lei aprovada pela Assembléia Legislativa, o nome de um político da República Dominicana chamado Juan Pablo Duarte, trocando de imediato as placas. Mas o povo, acostumado com a denominação mais do que secular, não deu bola para a mudança, continuando a tratar a rua pelo seu primitivo nome até que, tempos depois, o antigo nome foi restabelecido. A Rua das Marrecas é uma pequena artéria que fica entre a Rua Evaristo da Veiga e a Rua do Passeio na frente da qual havia um bosque com abundância de água onde as marrecas vinham saciar a sede.

A Rua Marechal Floriano é outra que não "pegou” muito bem. É lá que fica o antigo palácio em estilo neoclássico do conde de Itamaraty, que foi sede do governo da República de 1889 a 1897 e depois abrigou a Secretaria de Estado das Relações Exteriores. Daí o fato de o Ministério das Relações Exteriores também ser conhecido como o Itamaraty e ter levado este nome para a sua suntuosa sede em Brasília. No entanto, até hoje o povo se refere à Rua Marechal Floriano como a Rua Larga, cujo nome completo era Rua Larga de São Joaquim.

Realmente, é de se espantar que poucas ruas mudaram de nome. É claro que algumas desapareceram em razão da abertura dos dois grandes eixos da cidade: as Avenidas Rio Branco e Presidente Vargas, na primeira metade do século passado. Não obstante, outros logradouros surgiram no centro da cidade com o desmonte dos morros do Castelo e de Santo Antônio, dentro de um plano diretor de modernização.

A terra escavada do antigo morro de Santo Antônio serviu, no governo de Juscelino Kubitschek, para aterrar o que hoje é conhecido como o Aterro do Flamengo, cujo nome oficial ao que parece é Parque Eduardo Gomes, em homenagem ao criador do Correio Aéreo Nacional e que, por suas posições elitistas e conservadoras, perdeu as eleições presidenciais de 1945 e 1950. Também neste caso o povo olvidou solenemente o nome oficial e o trata simplesmente como Aterro do Flamengo.

O arrasamento do morro do Castelo, na década de 1920, permitiu a abertura da Rua México, das Avenidas Calógeras, Graça Aranha e Presidente Antônio Carlos, entre outras. O outro desmonte foi, como já nos referimos, o do morro de Santo Antônio, com a preservação do histórico Convento. O desmonte permitiu a abertura da Avenida República do Chile, onde ficam as sedes da Petrobras e do BNDES, a Catedral de São Sebastião, em forma de pirâmide etrusca secionada e o prédio do extinto Banco Nacional de Habitação (BNH). E, também, a abertura da Avenida República do Paraguai, ensejando uma ligação direta entre os dois pólos boêmios da cidade: a Praça Tiradentes e a Lapa com seus arcos monumentais.

A abertura da Avenida Central, na gestão do engenheiro fluminense Francisco Pereira Passos, como prefeito da então capital federal, proporcionou o famoso "bota-abaixo" de inúmeras partes de ruas e quiosques imundos, que davam à cidade um ar fétido e desagradável às narinas dos estrangeiros que aportavam na nova República. Dessa forma, muitas casas foram destruídas para dar passagem à famosa Avenida Central, hoje Avenida Rio Branco, um dos eixos monumentais da bela metrópole nacional.

Assim, foram sacrificados a rua, o largo e o convento da Ajuda. Hoje, a Rua da Ajuda é uma ruela de pouco mais de cinqüenta metros, por trás das Óticas Fluminenses, da Avenida Rio Branco. A abertura da Avenida Central (hoje Rio Branco) sacrificou parte das ruas transversais: Visconde de Inhaúma, Teófilo Otôni, São Pedro, Alfândega, do Hospício, do Rosário, do Ouvidor, Sete de Setembro, Assembléia e São José. É de se notar que a Rua do Hospício, por ter um estabelecimento para alienados mentais, mudou para Buenos Aires, em merecida homenagem à capital da república irmã.

E a antiga Rua de São Pedro, depois, seria inteiramente sacrificada para dar lugar ao outro eixo da cidade que é a Avenida Presidente Vargas na década de 1930. Pereira Passos foi um administrador de talento que além da Avenida Rio Branco construiu o porto do Rio, na Praça Mauá, e as Avenidas Beira-Mar, Atlântica, em Copacabana, e Passos, tendo alargado a Rua da Carioca e a Rua Uruguaiana
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No bairro do Catete, os nomes das ruas são os mesmos, com exceção da Rua Bela da Princesa (hoje Correia Dutra) e Rua dos Pinheiros (hoje Machado de Assis). Em Botafogo, por incrível que possa parecer, a maioria das ruas do século XIX permanecem com os mesmos nomes: Voluntários da Pátria, São Clemente, 19 de Fevereiro, Dona Mariana, Sorocaba, das Palmeiras, da Matriz, Real Grandeza, Assunção, Bambina, Dona Carlota, Farani, Marquês de Olinda. Nas Laranjeiras, o mesmo fenômeno ocorreu, pois as ruas são exatamente as mesmas do final do século XIX: das Laranjeiras, Ipiranga, Pereira da Silva, Senador Correia, Praça São Salvador e a Rua Alice, famosa por seus puteiros de alta classe.

Também, as transversais da Avenida Presidente Vargas, aberta com a derrubada da Rua de São Pedro e outras, são praticamente as mesmas: Uruguaiana, Conceição (antiga dos Ourives), Andradas, República do Líbano (antiga do Regente), General Caldwell, Santana, Marquês de Sapucaí (antiga Rua Visconde de Sapucaí). Como seguimento da Praça Tiradentes, temos a Rua Visconde do Rio Branco e a Rua da Constituição que desembocam na Praça da República, antigo Campo de Santana.

A Rua de São Cristóvão, que inicia no Largo do Estácio e termina na Praça da Bandeira, hoje tem o nome de Joaquim Palhares, onde fica o Colégio Estadual José Pedro Varella, em honra ao distinto educador uruguaio.

Quero dizer que estou com o poeta Manuel Bandeira e que nomes antigos e poéticos devem ser preservados. E que se dê o nome de doutor fulano ou general sicrano a uma nova rua que seja aberta. Não se trata de conservadorismo. Há nomes mais bonitos e bem postos como o da Rua da Aurora que recebe os primeiros raios da manhã recifense ou mesmo a Rua do Sol?

Na Barra da Tijuca, por ser um bairro novo do Rio de Janeiro, seu núcleo inicial é povoado por nomes de coronéis e generais que nada de importante fizeram pela cidade e muito menos pelo Brasil. A Barra floresceu no tempo da ditadura militar que foi de 1964 a 1985.
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Diferentemente de uma cidadezinha encravada no agreste pernambucano, o Rio não é afeito à mudança de nome de rua, exceção feita ao prefeito "doidão", César Maia, que tentou mudar o nome da famosíssima e internacional Avenida Vieira Souto para Avenida Tom Jobim. Infelizmente, na Barra da Tijuca, temos os casos das Avenidas Alvorada e Sernambetiba que se transformaram, para nosso desespero, em Avenidas Ayrton Senna e Lúcio Costa. Aqui não se discute o mérito da mudança e sim sua falta de oportunidade.

Aliás, é bom que se diga: uma planta de 1830 nomeava as praias que hoje conhecemos como da Barra e do Recreio como praia de Sernambetiba, que deveria ser o nome da Barra da Tijuca. A “barra” nada mais é do que um canal de ligação da lagoa da Tijuca ao mar.

Já nossa São Bento do Una, mesmo pequenina, gosta de mudar nome de placa de logradouro. Ela é inconstante com seus homenageados, senão vejamos: Praça Marechal Deodoro, onde nasci no número 87, hoje é Cônego João Rodrigues, a Praça Barão do Rio Branco, mudou para Rádio Clube e agora é Adalberto Paiva. A Avenida Manuel Borba, onde minha família morou no número 92, hoje é Oswaldo Celso Maciel e a Rua José Mariano é hoje Rua José Cadete de Almeida Calado.

É bom que se esclareça que nada nos move em relação aos homenageados. Muito pelo contrário: todos merecem. Padre João Rodrigues, uma pessoa maravilhosa que me batizou e que construiu várias ruas de casas. “Seu” Adalberto Paiva antigo dono da quase centenária Padaria Sertaneja e prefeito municipal além de anotador atento dos fatos e acontecimentos da história municipal. Nome de rua para homenagear os nossos grandes deve caber no caso de novas ruas e nunca num ímpeto de homenagear uma figura querida que acabou de nos deixar.

No entanto, em relação ao popular e conhecido Beco de João Honório as autoridades nunca tiveram a idéia de oficializá-lo. A propósito, tirando aquelas ruas e praças do núcleo central da cidade, não se encontra placa indicativa de rua em praticamente nenhum bairro até o final de 2004. Disseram-me, há algum tempo, que a prefeitura não dispunha de verba para mandar confeccionar as placas. As famílias dos homenageados que o façam. Como o fez a de Dª Maria Maciel, mandando confeccionar as placas indicativas do Largo Municipal, antigo quadro onde acontecia, aos sábados, a feira de gado. Essa prática de não colocar as placas com os nomes das ruas e a respectiva numeração é característica de país subdesenvolvido.

Como não vou a São Bento do Una desde o início de 2005, quando a nova administração municipal tomou posse, não sei se houve progresso no sentido de dotar as ruas com as placas indicativas dos homenageados. São pequenas providências como estas que atestam o zelo do administrador pelas coisas da cidade além de mostrar a quem vem de fora que o núcleo central da cidade é bem cuidado, limpo e sinalizado. E acima de tudo deixa boa impressão ao visitante.

PS: Aproveito o tema e ensejo para protestar contra a mudança de nome de alguns aeroportos brasileiros que é uma praga que vem acontecendo nos últimos anos. Fazer lei federal para mudar nome de aeroporto é brincadeira. Para mim, na Bahia, o Aeroporto se chama “Dois de Julho” e não Luiz Eduardo Magalhães; no Recife, o Aeroporto se chama “dos Guararapes” e não Gilberto Freire. No Rio de Janeiro, o Aeroporto se chama “do Galeão” e não Tom Jobim.

Agora, quanto ao Aeroporto de Manaus, há pertinência em se chamar “Brigadeiro Eduardo Gomes”, que foi, por duas vezes, ministro da Aeronáutica. Espero que o nome do Aeroporto de Parnamirim, em Natal, não mude para nome de político. Para Luiz Eduardo Magalhães, que não foi nenhum gênio político brasileiro, dar-se-ia seu nome a uma sala da Câmara dos Deputados ou a uma escola no interior da Bahia. Para Gilberto Freire e Tom Jobim, dar-se-iam nomes de Espaços Culturais, Museus, Bibliotecas ou no caso específico do grande maestro o nome de um Conservatório de Música. Para tudo deve haver pertinência e por que não dizer coerência..

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Pau Amarelo 08 de abril de 2006

Orlando Calado é bacharel em direito.

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