Portal São Bento do Una - Orlando Calado - O Grande Pronome 'Lhe' Morreu!

Colunas

Cidade

Regional

Navegando: Indisponível

Coluna 6: O Grande Pronome 'Lhe' Morreu!

Publicada dia 09 de Outubro de 2005

O Grande Pronome 'Lhe' Morreu!

No tempo do imperador Tibério, de acordo com Plutarco, historiador romano, um navegador chamado Thamès, ao passar à noite ao largo da ilha de Naxus, no mar Egeu ouviu uma voz clamar nos céus: O grande Pan morreu!

Prognostica M. Pio Corrêa, embaixador aposentado, que em qualquer noite destas, ouviremos retumbar no Jornal Nacional uma voz aflita, com forte acento português, clamando O grande ´lhe´ morreu! Para Pio Corrêa, o pronome lhe, no Brasil, já desceu à mansão das palavras mortas, para fazer companhia ao infeliz verbo dizer. O lhe foi substituído no vocabulário indígena por te, assim como o verbo dizer foi substituído pelo verbo falar. O veterano diplomata ficou deveras surpreso quando a elegante vendedora da Daslu lhe disse quando de uma recente liquidação: O senhor paga ali na caixa e, depois, naquele balcão vão ´te´ entregar o pacote.

Então o embaixador, visivelmente emocionado com tamanho acinte, teve vontade de exclamar a plenos pulmões: Chorai, sereias da Guanabara, chorai ninfas do Amazonas e de todos os rios, o grande "Lhe" morreu.

Ele também chama a atenção para o verbo dizer que está com seus dias contados pois vem sendo sistematicamente substituído pelo verbo falar. Nos dias de hoje, jornalistas, apresentadores de jornais e de programas de televisão não mais sabem distinguir o verbo falar do verbo dizer. E isto é por demais triste porquanto enfeia a nossa tão musical língua portuguesa.

Agora vejam como ficará aquela histórica frase de dom Pedro I atendendo os pedidos do povo do Rio de Janeiro para que não voltasse à sua antiga pátria: Se for para o bem de todos e felicidade geral da Nação, estou pronto, falem para o povo que fico. Observem que a frase ficou mais feia e sem aquela naturalidade e sonoridade próprias da língua de Camões.

O defensor do vernáculo acha que a mutilação do idioma provém da deterioração da qualidade do ensino primário, que de ensino fundamental já se tornou ensino rudimentar. Lembra que antigamente as professoras primárias do Rio de Janeiro eram formadas pelo Instituto Superior de Educação da rua Haddock Lobo. Elas constituíam um excelente e mesmo brilhante corpo docente. Eram moças originárias de famílias de bom nível cultural, bem educadas, egressas de bons colégios secundários. E assim tinham as condições para a assumir o papel de educadoras.

Hoje em dia, ele lamenta a crescente proletarização dos quadros do ensino primário, parcialmente recrutados já entre jovens que nunca viram um livro na casa dos pais. Ele faz questão de frisar que não se trata de qualquer preconceito, mas é difícil encontrar livros nos bairros de baixa renda. No caso de calamidades, observa pela televisão os moradores salvando móveis e eletrodomésticos, porém nunca livros. O mesmo fato ele observa na decoração das novelas televisivas onde se mostram quadros, lustres, móveis luxuosos, bares bem sortidos, contudo não se vê um estante de livros.

O diplomata também critica um critério adotado e anunciado, há anos, pela prefeitura de um grande município, de proceder à nomeação de professoras não pelo mérito, mas pela necessidade econômica.

À mutilação do idioma, acrescente-se a sua vilificação por deturpações calhordas e cafônicas, por exemplo, parabenizar por felicitar. Condena expressões como discriminar alguém em vez de discriminar contra alguém, assim como a babaquice de usar o verbo adentrar por ingressar, tão a gosto de narradores esportivos de rádios que se acham os tais.

Para concluir, chamamos a atenção para o uso abusivo e indiscriminado do verbo definir. A imprensa modernosa acha que está abafando e faz deste verbo um verbo-ônibus ou mesmo um coringa que cabe em qualquer lugar. Senão vejamos, pérolas como: O treinador não definiu a equipe. O presidente ainda não definiu a data da reforma ministerial. No primeiro caso, o verbo correto seria escalar e no segundo o verbo marcar.

Outra grande baboseira que se vê na atualidade é a indevida utilização do verbo reverter. Muita gente na mídia não percebe que este verbo significa voltar como na frase latina inscrita no pórtico de alguns cemitérios: Revertere ad locum tuum que poderia ser traduzida mais ou menos como És pó e a ele voltarás. Neste mesmo sentido, quando um jogador de futebol comete uma irregularidade ao cobrar um arremesso lateral, o árbitro inverte a cobrança em favor da outra equipe e não reverte a cobrança como freqüentemente diz o animado narrador global, cujo nome todos nós sabemos.

Defender a língua é dever de todos. E não deixar morrer o pronome lhe e o verbo dizer uma necessidade inadiável.

Orlando Calado é bacharel em direito.

Colunas anteriores: