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Coluna 64: Apolônio Sales, um estadista de grande valor
Publicada dia 13 de Janeiro de 2007

Apolônio Sales, um estadista de grande valor

O Nordeste, em peso, muito deve à figura ímpar de estadista de primeira linha que foi o pernambucano, de Altinho, Apolônio Jorge de Farias Sales. Antes dele, nossa região não possuía nenhum sistema confiável de fornecimento de energia elétrica devido à multiplicidade de motores e geradores elétricos de acanhada potência. As cidades mais adiantadas possuíam motores primitivos que mal davam para suprir as suas necessidades. Os geradores não trabalhavam continuadamente vinte e quatro horas por dia, uma vez que só eram ligados no final da tarde e desligados meia-noite em ponto. Para se escutar rádio de dia, por exemplo, o jogo do Vasco contra o Botafogo, num domingo, ou a novela cubana “Direito de nascer”, durante a semana, na década de 1950, os poucos e privilegiados proprietários, desse verdadeiro sonho de consumo da época, carregavam as baterias através de um aparelho chamado “tunga” (era assim que o autor destas linhas escutava do dono do rádio).

Nas festas de fim e de começo de ano, os motores trabalhavam um pouco mais, funcionando até que os primeiros raios, da manhã, iluminassem o Nordeste. Também, poucas eram as localidades que poderiam se dar ao luxo de possuir um motor, usado, ou seja, mesmo caindo aos pedaços. São Bento do Una, uma cidadezinha do agreste de Pernambuco, tinha um velho motor cuja enorme correia de transmissão, folgada, feria os nossos tímpanos com aquele intermitente barulho da correia contra a já bem gasta polia.

Depois, a cidade adquiriu um motor da marca “Caterpillar”, de cor amarela, moderninho, que era capaz de derrubar uma pessoa magra e fraca, com a ventania que do radiador desprendia. Mesmo assim, o problema energético da cidade não foi resolvido. Ficávamos com as ruas às escuras por longo tempo, sem que nenhuma autoridade pudesse resolver o problema. As casas da periferia usavam o velho candeeiro a querosene “Jacaré” que deixava as narinas plenas da incômoda fuligem. Quando uma peça se quebrava e não mais se tinha peça de reposição, o negócio era apelar para o ferreiro e para o mecânico de caminhão, aquele homem de macacão impregnado de óleo e de graxa, apelidado de “dorme sujo”, que a fabricava em oficina de fundo de quintal.

Partiu-se, então, para uma solução talvez desastrada: a compra de um motor maior, de segunda mão, que já não mais atendia às necessidades da progressiva Pesqueira. O motor foi instalado longe da praça principal, naquela rua da antiga sede da Banda de Santa Cecília, mas foi um fiasco total, pois era, antes de tudo, um amontoado de ferro velho, e São Bento do Una permaneceu triste e às escuras até que a bendita “luz” de Paulo Afonso chegou para resolver definitivamente o problema de iluminação de todo o Nordeste. Antes da energia de Paulo Afonso, ficávamos meses sem poder namorar à noite na praça, pois que as meninas não podiam sair, proibidas que eram pelo cuidadoso papai.

Na minha meninice, em São Bento, minha cidade natal, incontáveis vezes ficamos sem energia elétrica porque os velhos e obsoletos motores não mais davam conta do recado, não obstante o zelo de João Virães e seu fiel escudeiro, Margareto. O fato interessante é que nunca vi protesto algum contra esta situação até certo ponto calamitosa. A bem da verdade, os hoje chamados “apagões” nunca foram objeto de protesto, de passeata diante da prefeitura ou da casa do proprietário do motor. Nem mesmo ensejou telegramas irados ao governador do estado, pedindo uma urgente solução para as trevas são-bentenses. A energia fornecida por estas obsoletas máquinas era tão fraca, tão fraca, que as pessoas costumavam enfiar uma faca de cabo de metal entre o bocal e a lâmpada para tomar ridículos choques, os quais eram recomendados como excelentes para a cura de pessoas nervosos e de tênues doidices. O motor só atendia as residências de algumas ruas, sendo que a iluminação pública se resumia aos principais logradouros da cidade que era a primeira a ser sacrificada à medida que o motor, cansado, menos energia produzia.

Inspirado, por certo, no empreendimento de Delmiro Gouveia que aproveitou o potencial energético da cachoeira de Paulo Afonso e supriu de energia a Fábrica de Linhas de Pedra (1913), Apolônio Sales, já ministro da Agricultura, lançou uma campanha em prol da exploração do potencial energético da cachoeira, com um projeto prevendo a construção de uma usina-piloto de cinco megawatts para auxiliar a construção de uma usina capaz de resolver, em definitivo, o problema energético do Nordeste. Esta decisão do ministro não foi bem recebida e houve pressão por parte das correntes políticas e empresariais dominantes no sentido de que os novos empreendimentos de geração de energia elétrica fossem realizados no Sudeste, especialmente em São Paulo, onde a demanda era maior e, vez por outra, vinha ocorrendo racionamento.

No entanto, Apolônio resistiu estoicamente às pressões e viajou aos Estados Unidos em busca de informações sobre a organização da Tennessee Valley Authority (TVA), primeiro órgão do governo norte-americano de desenvolvimento regional e que inspirou a criação da nossa antiga Sudene. Voltou revigorado e cada vez mais convencido de que era necessário elaborar um anteprojeto de criação de uma companhia para a exploração energética do Nordeste, pois sabia que sem energia com qualidade e fartura nenhum investimento fabril viria estabelecer-se na região. Onze anos depois, isto é, em dezembro de 1954, se dá a inauguração da primeira usina de Paulo Afonso com suas linhas de transmissão servindo, inicialmente, às cidades do Recife e de Salvador. Tal acontecimento deu um novo alento e esperança e com a criação, depois, da Sudene (1959), o Nordeste experimentou certo progresso, com instalações de fábricas atraídas pelos incentivos fiscais dos governos federal e estaduais.

Os argumentos apresentados pelo eminente ministro Apolônio Salles convenceram de pronto o presidente Getúlio Vargas. E para a consecução de tão notável empreendimento foi baixado o Decreto-lei 8.031, de três de outubro de 1945, autorizando a criação da Companhia Hidro-Elétrica do São Francisco (CHESF), no âmbito do Ministério da Agricultura. Nesse diploma legal, foi aberto um crédito especial de duzentos milhões de cruzeiros para a subscrição de ações e se concedeu à novel companhia licença pelo prazo de cinqüenta anos para efetuar o progressivo aproveitamento da energia hidráulica entre Juazeiro, na Bahia e Piranhas, em Alagoas. Por esta atitude de homem de visão e de coragem em enfrentar poderosos grupos empresarias e políticos que se opunham ao projeto, Apolônio deve ser reverenciado como grande benfeitor. Hoje, a CHESF é um orgulho nordestino que supre de energia não só o Nordeste, com exceção do Maranhão, como também outras regiões através do sistema integrado nacional de transmissão de energia elétrica.

Nosso inesquecível Luís Gonzaga foi muito feliz ao gravar aquela melodia de versos maravilhosos que diz em relação à inauguração da primeira Usina de Paulo Afonso: “Delmiro deu a idéia, / Apolônio aproveitou, / Getúlio fez o decreto, / Dutra realizou. / O presidente Café agora inaugurou. / (...) Olhando pra Paulo Afonso, / Eu louvo nosso engenheiro, / Louvo o nosso cassaco, / Caboclo bom nordestino”, / e por aí vai a toada imortalizando os feitos de “homens de grande valor”. Os versos do cancioneiro eternizam o feito de Apolônio e de todos aqueles, engenheiros, técnicos e operários, que fizeram este necessário e proveitoso empreendimento, hoje muitas vezes ampliado.

No seu tempo, Apolônio foi considerado o “homem público mais feio do Brasil”. Em contraposição a este fato, no final do Império e início da República, Pernambuco tinha o homem mais bonito do Brasil: Joaquim Nabuco, político, diplomata e escritor de inegáveis méritos. Porém, o que Apolônio tinha de pouco, em termos de Narciso, sobrava em talento político e de provedor do bem comum. E Pernambuco soube reconhecer o valor deste estadista e homem de visão, concedendo-lhe os votos necessários para que, durante doze anos (1947-1951 e 1951-1959) representasse o Estado de Pernambuco no Senado Federal, casa legislativa em que se destacou a ponto de exercer a liderança da maioria, a vice-presidência e, por fim, a presidência.

Apolônio nasceu em 24 de agosto de 1902 e faleceu no Rio de Janeiro em 10 de dezembro de 1982. Fez o curso primário na escola municipal de Altinho e o secundário, em Olinda, no tradicional Colégio de São Bento. Graduou-se em agronomia pela Escola Superior de Agricultura de São Bento, em 1923, mantida pelos monges beneditinos, em São Lourenço da Mata, onde exerceu o magistério, como catedrático de Agricultura e Genética. Como engenheiro agrônomo de Pernambuco, desempenhou funções de relevo no serviço estadual de cana-de-açúcar, no qual teve a oportunidade de implantar modernas técnicas de irrigação na Usina de Catende.

Sua brilhante e exemplar carreira de servidor público, fez Apolônio ser nomeado secretário de Agricultura de Pernambuco (1937-1942), ocasião em que criou postos e fazendas experimentais de criação de animais em vários municípios, usinas de recebimento, resfriamento e distribuição de leite, serviços de avicultura e de piscicultura. Criou o Parque de Exposição de Animais, no Cordeiro, Recife. Seu eficiente e proveitoso trabalho à frente da Secretaria de Agricultura o credenciou a vôos mais altos.

Por duas vezes, exerceu, com proficiência, o prestigioso cargo de ministro da Agricultura (1942-1945 e em 1954). Como titular dessa pasta, ele assinou vários acordos internacionais para a melhoria da produção da borracha. Criou a Superintendência do Vale Amazônico; o Banco de Crédito da Borracha da Amazônia (hoje, Banco da Amazônia – Basa); o Banco Nacional de Crédito Cooperativo (BNCC), hoje extinto e que tinha como objetivo financiar as cooperativas dos produtores; reorganizou o Serviço de Meteorologia e o Centro Nacional de Ensino e Pesquisas Agronômicas, com a criação da Universidade Rural do Brasil; elaborou o Plano de Mecanização da Lavoura e criou o Núcleo Colonial Agro-Industrial do São Francisco, na cidade pernambucana de Petrolândia. No entanto, a sua grande obra foi ter criado a Companhia Hidro-Eletrica do São Francisco (CHESF) e a construção da primeira usina de Paulo Afonso, que foi um passo gigantesco na redenção do Nordeste que passou a dispor de energia elétrica de qualidade, inicialmente iluminando Recife e Salvador e depois as demais capitais com exceção de São Luís.

Hoje, em Pernambuco, graças à ação de diversos governos, a eletrificação rural é uma realidade, com mais de 95% das propriedades rurais com seus bicos de luz e tomadas, trazendo conforto para quem trabalha de sol a sol, tirando da terra o sustento ou desenvolvendo o criatório. É certo que, para que tudo se concretizasse, levamos cerca de meio século para quase universalizar o uso da eletricidade, o que é um grande feito para um estado de grandes carências.

Por tudo que fez pelo Brasil, pelo Nordeste e, sobretudo, por Pernambuco, Apolônio Jorge de Farias Sales merece um pleito de gratidão e reconhecimento como um verdadeiro estadista, aquele que sempre esteve mais preocupado com as próximas gerações do que com o imediatismo das eleições seguintes. Um estadista é uma pessoa visionária, um idealista e acima de tudo um obstinado. Apolônio Salles, o homem mais feio da política brasileira do seu tempo, semeou conhecimentos como mestre de várias gerações, como profissional da engenharia agrícola deu os primeiros passos para a melhoria da produtividade quando inundou o País de tratores, arados e outros implementos agrícolas que eram emprestados aos agricultores que não tinham como adquirir tais preciosidades.

Distribuiu a título gratuito, pelo país inteiro, quando ministro da Agricultura, enxadas, foices e outros utensílios agrícolas entre os agricultores de poucos recursos. As fazendas experimentais que implantou em vários municípios pernambucanos, quando titular da Agricultura, serviram para a criação de touros de raça que eram emprestados aos fazendeiros com o objetivo de melhorar o rebanho. Essas fazendas, também, distribuíam as sementes assim que o “inverno” começasse e dispunham de técnicos agrícolas que ensinavam a gente simples do interior as modernas técnicas visando a melhorar a produção agrícola e pecuária.

Por tudo que fez, repetimos, o doutor Apolônio Sales merece as nossas homenagens e a nossa eterna gratidão, com a lembrança do seu nome em escolas, estabelecimentos agro-pecuários, cooperativas, estradas, ruas, praças e avenidas de toda cidade pernambucana que ainda não o homenageou, para a maior glória de um homem simples que viveu e se preocupou com o progresso e desenvolvimento não só do Nordeste, como de todo o Brasil.




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Pau Amarelo PE 13 de janeiro de 2007

Orlando Calado é bacharel em direito.


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Coluna 112 - 15/12/2007 - Fatos & gente são-bentenses de épocas diversas (34)
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Coluna 4 - 22/09/2005 - As Vestais da Moralidade Pública
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Coluna 2 - 07/09/2005 - Tratamento de Excelência
Coluna 1 - 07/08/2005 - Hiroshima - uma covardia inominável


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