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Coluna 81: Fatos & gente são-bentenses de épocas diversas (3)
Publicada dia 12 de Maio de 2007

Fatos & gente são-bentenses de épocas diversas (3)

Um país não é feito apenas por políticos, entre os quais o presidente da República, senadores, deputados, governador, prefeitos e vereadores. Um país não é feito apenas por escritores, poetas, artistas plásticos, jornalistas, professores universitários, juizes de direito e dos diversos tribunais estaduais e superiores da República. Um país, amigos, não é feito apenas por pessoas portadoras de diplomas, artesãos e atores de televisão. Um país é uma complexidade de pessoas, cada uma, na medida das suas possibilidades, contribuindo, com seu trabalho, para o bem-estar geral de todos nós. Um país que se preza deve, igualmente, homenagem os seus trabalhadores urbanos e rurais, pois sem eles a nossa vida não teria sentido maior. Um país que se preza se orgulha do seu operariado que nas fábricas produzem os bens que todos nós usamos no dia a dia.

Um país que se preza também preza os seus trabalhadores campesinos, aqueles que limpam, que semeiam, que tratam, que colhem e que ensacam os gêneros alimentícios que chegam à nossa mesa: feijão, arroz, milho, trigo. Um país que se preza protege e preza os seus mais humildes servidores: o coveiro, o lixeiro, o catador de papéis. Um país que se preza orgulha-se de sua força incomensurável de trabalho, ou seja, aqueles que constroem casas, ruas, estradas, pontes, portos, aeroportos, fábricas, prédios, escolas, templos.

Um país que se preza ama e preza os seus servidores da saúde, os seus abnegados médicos, enfermeiros, auxiliares de enfermagem, operadores de maca e motoristas que conduzem as ambulâncias do socorro urgente por lugares os mais longes e inóspitos para salvar a vida de baleados, esfaqueados ou pessoas vítimas de acidentes de trânsito ou de ataques cardíacos e outras doenças. Também, um país que se preza não pode esquecer aqueles que não conseguiram um lugar no mercado de trabalho, como também não pode esquecer os criadores de gado, os pescadores e todas aqueles que mourejam no campo, nas hortas, nas granjas, no mar, nos supermercados e farmácias para bem servir a todos nós.

Um país que se preza não pode olvidar os seus motoristas de praça e de ônibus em geral que nos transporta, nem tão pouco pode esquecer os caminhoneiros nem, também, os marítimos que nos seus petroleiros e navios de carga e de passageiros transportam a nossa riqueza e contribuem pra o progresso material do País. Igualmente, não podemos esquecer os trabalhadores de ferrovias, os guardas rodoviários e de fronteira e os membros mais humildes das nossas forças armadas e das polícias civis e militares e corpos de bombeiros. Por fim, não podemos esquecer que um país se faz com comandantes de aeronaves civis, comissários de bordo, controladores de vôo e pessoal de apoio em terra.

Um país que se preza e preza os seus cidadãos é tudo isso e mais alguma coisa que por ventura tenha o autor destas linhas esquecido. Sim, amigos, um país que se preza é formado por toda essa gente, pelos educadores de todos os níveis e por pessoas cujas profissões não foram mencionadas. A toda a esse gente devemos um pleito de gratidão, pois as pessoas, para viver, dependem umas das outras por mais ricas e poderosas que sejam.

É, pois, dentro deste contexto que queremos homenagear aqueles homens simples que tinham por atividade limpar as fossas das casas de São Bento do Una. Era uma atividade por demais penosa e quase todas as pessoas dedicadas a este mister tinham que ingerir garrafas e mais garrafas de cachaça para enfrentar o duro trabalho de destampar a fossa, lançar o tonelzinho com uma corda atada na imundície, puxá-lo até a superfície e sair para despejá-lo em lugar determinado pela prefeitura longe de riachos e outros cursos de água e sob a fiscalização do sargento-delegado de polícia. Esses homens eram como se fossem os párias são-bentenses de épocas distantes ou imigrantes de hoje que se sujeitam aos trabalhos mais insalubres, como lavar privadas, desobstruir galerias e redes subterrâneas de esgoto e trabalhar, de madrugada, na limpeza de supermercados americanos, para fugirem dos agentes da imigração uma vez que são clandestinos, procurando amealhar dólares e mais dólares (hoje tão desvalorizados frente ao nosso real) para mais tarde ter como construir uma casa ou abrir um negócio no Brasil.

Esses párias são-bentenses de então tinham que enfrentar essa realidade nua e crua de serviços que poucos tinham a coragem e a necessidade de executá-los como as funções de coveiro ou de auxiliar de necropsia que lidam com corpos humanos em estado de putrefação. É por esta e por outras que devo uma homenagem sincera a todos os homens de minha terra natal que esvaziaram as fossas das casas de gente mais ou menos bem situada de minha cidade. Presto, pois, um pleito de gratidão a essas pessoas que tinham que encarar a merdância com toda a dignidade a troco de pouco dinheiro e de algumas garrafas de cachaça.

E pensar que tinham alguns desses trabalhadores como Joaquim Carniça, do Sete Ranchos, que enfrentava a imundície acumulada de vários anos sem ao menos ingerir um gole sequer de aguardente. Carniça não bebia simplesmente porque era portador de problemas estomacais e por isso tinha que evitar a todo custo a ingestão alcoólica.Era um herói, um herói sem medalhas que nunca se furtou a tão desprezível atividade que servia de gozação para alguns e para eles próprios, quando, ao contrário, estavam colaborando com a cidade como agentes, sem saber, de serviços de saneamento, recebendo pelo trabalho alguns míseros cruzeiros que era a unidade monetária do Brasil naqueles já distantes tempos.

Eis alguns heróis urbanos são-bentenses que a informal história municipal não pode nem deve olvidar, a quem lhes rendo as devidas e justas homenagens: Zé Bocão, filho de Siá Rosenda, irmão de Maria e de Ninô. Em razão de sua insalubre e malcheirosa atividade, era obrigado a ingerir garrafas e mais garrafas de aguardente. O homem ficou viciado e por muitas vezes teve que ser internado. Depois da alta médica, passava uma boa temporada distante da bebida alcoólica, porém, depois, em razão de sua penosa atividade, voltava com todo vigor ao vício. Zé Bocão, quando moço, era um sujeito de força descomunal, capaz de erguer, brincando, com uma das mãos um saco de açúcar de sessenta quilos. Na luta de braço, era invencível em São Bento e ganho líquido e certo em que nele apostasse quando, nos sábados, desafiava os valentões das cidade vizinhas que trabalhavam na feira para uma “queda de braço”.

Apesar de forte e consciente de sua força física, nunca vimos Zé Bocão envolvido com brigas e confusões. Era um indivíduo bom e prestativo, jamais se negando a carregar fardos por mais pesados que fossem. Zé exercia seu ofício com outros inseparáveis companheiros de empreitada: Quilaro (corruptela de Hilário, seu nome de pia batismal), era, segundo Leone Valença, um negro de feições finas e possivelmente descendente de nobre tribo africana. Antônio Olímpio, Zé Sebeiro, o já citado abstêmio Joaquim Carniça todos humildes moradores em casebres do Sete Ranchos e ajudantes na dura tarefa de, em noite de lua clara, limpar a imundície das fossas sépticas de nossa São Bento.

Zé Bocão, além de tudo, ainda zombava de seu honesto trabalho, tendo composto uma marchinha que melhor descreve a sua faina, geralmente noturna, para não incomodar a rotina da cidade. A letra da marchinha e o nome da mãe do nosso personagem principal foram-nos passados pelo nosso Gilvan Lemos. Vamos à letra para que essa preciosidade popular são-bentense não se perca de nossa memória:

Broco do alimpa

“Marcha, marcha, marcha.
Cum os galão nas costa
Cum a lata seca
Pra trazer cheia de bosta
Si o sargentu vim,
Nois num se entrega
Nois é do broco do alimpa merda “.

Para quem não sabe nem viveu naqueles tempos, a comunidade dos Sete Ranchos ficava escondida atrás da atual Rua João Valença quase esquina com a atual Avenida Osvaldo Maciel. Era, segundo Leone, “formado por duas filas de mocambos, que começavam à beira do riacho do Tatu, que passa por baixo da Avenida Osvaldo Maciel e terminava na “sargadeira”, um malcheiroso depósito de couros frescos, cujos fundos eram virados para o sítio de seu Guirra”.

Na realidade, o arruado do Sete Ranchos era formado por muito mais de sete casebres e lá funcionava o puteiro da cidade onde o inspetor de quarteirão cobrava para que a dança fosse realizada. Era a corrupção brasileira na sua fase mais primitiva e ingênua a explorar empresários da miséria, cobrando a alta quantia de “dez mil réis” para fazer vista grossa e dividir o dinheiro com o sargento da polícia. Na letra de Zé Bocão, a referência ao sargento diz respeito ao delegado de polícia encarregado de fiscalizar se os limpadores de fossa estavam despejando os dejetos em locais diferentes do lugar determinado pela prefeitura. Vez por outra acontecia que a sujeira era depositada mais perto do trabalho, já que os homens além de extenuados pelo trabalho, estavam completamente embriagados. Nos anos 1950, o saudoso Duperron construiu, logo depois do Sete Ranchos, na antiga Avenida Manuel Borba, uma suntuosa mansão, mandando, espirituosamente, colocar em alto relevo, na frente da casa, as palavras “Oitavo Rancho”.

Hoje, o arruado dos Sete Ranchos com suas casinhas de taipa não mais existe, engolido que foi pelo “boom” são-bentense dos anos 1970 em diante quando a implantação da atividade de avicultura arrastou para longe as comunidades mais humildes que circundavam o perímetro urbano. Porém, a sua história eivada de miséria, os seus tipos folclóricos jamais sairão da memória dos mais velhos que curtiram uma São Bento acanhada mais que, na realidade, era como se fosse uma só família, solidária e amiga, onde os mais abonados ajudavam os menos favorecidos.

Esta era a São Bento do Una dos meus tempos de criança, uma cidadezinha pacata, onde todos se conheciam, perdida na imensidão do mapa do Brasil.


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Pau Amarelo PE 12 de maio de 2007

Orlando Calado é bacharel em direito.


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Coluna 77 - 14/04/2007 - Fatos & gente são-bentenses das décadas de 1930 e 1940
Coluna 76 - 07/04/2007 - Uma breve visita à nossa querida São Bento do Una
Coluna 75 - 31/03/2007 - Planejamento familiar no Brasil: uma necessidade inadiável
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Coluna 69 - 17/02/2007 - Gilvan Lemos, simplesmente um escritor
Coluna 68 - 10/02/2007 - A Great Western da minha meninice: uma pequena história
Coluna 67 - 03/02/2007 - A declaração universal dos direitos humanos
Coluna 66 - 27/01/2007 - A revolta da chibata
Coluna 65 - 20/01/2007 - A revolta da vacina
Coluna 64 - 13/01/2007 - Apolônio Sales, um estadista de grande valor
Coluna 63 - 06/01/2007 - 2006: Um ano de saldo positivo apesar do pouco crescimento econômico
Coluna 62 - 30/12/2006 - A "Batalha da Borracha", um episódio esquecido da história do Brasil
Coluna 61 - 23/12/2006 - Alguns suicidas famosos (2/2)
Coluna 60 - 16/12/2006 - Alguns suicidas famosos (1/2)
Coluna 59 - 09/12/2006 - Aumentando os conhecimentos gerais (16)
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Coluna 57 - 25/11/2006 - Congresso Nacional perdulário, povo paupérrimo
Coluna 56 - 18/11/2006 - Aumentando os conhecimentos gerais (14)
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Coluna 33 - 08/04/2006 - Nome de rua não deve ser mudado
Coluna 32 - 01/04/2006 - Brasil, nova potência petrolífera mundial!
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Coluna 29 - 11/03/2006 - Os livros de Sebastião Cintra
Coluna 28 - 04/03/2006 - Um sábado sangrento no Recife
Coluna 27 - 25/02/2006 - O início do resgate da nossa dívida social
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Coluna 24 - 04/02/2006 - Aspectos gerais da lei de responsabilidade fiscal
Coluna 23 - 28/01/2006 - Pernambuco começa a sair da letargia
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Coluna 19 - 31/12/2005 - Josué Severino, o mestre e a Banda Santa Cecília
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Coluna 16 - 10/12/2005 - Do Estado pouco ou nada espero
Coluna 15 - 04/12/2005 - A América do Sul e o nazismo
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Coluna 12 - 13/11/2005 - A crise argentina
Coluna 11 - 13/11/2005 - A saga de Delmiro Gouveia
Coluna 10 - 10/11/2005 - O velho na legislação brasileira
Coluna 9 - 31/10/2005 - O projeto São Francisco
Coluna 8 - 24/10/2005 - Correio eletrônico, maravilha do nosso tempo
Coluna 7 - 13/10/2005 - Um século sem presidente paulista
Coluna 6 - 09/10/2005 - O Grande Pronome 'Lhe' Morreu!
Coluna 5 - 29/09/2005 - Brasil 2005 - Uma Economia Mais Forte
Coluna 4 - 22/09/2005 - As Vestais da Moralidade Pública
Coluna 3 - 15/09/2005 - Mordomia & Nepotismo
Coluna 2 - 07/09/2005 - Tratamento de Excelência
Coluna 1 - 07/08/2005 - Hiroshima - uma covardia inominável


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