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Coluna 83: Fatos & gente são-bentenses de épocas diversas (5)

Publicada dia 26 de Maio de 2007

Fatos & gente são-bentenses de épocas diversas (5)

Hodiernamente, a história de uma comunidade tem inúmeras fontes como documentos de um modo geral, fotografias, livros paroquiais, cartorários, assim como a tradição dos mais velhos do lugar. No século XIX, na nossa Província, as pessoas já escreviam cartas sobre os mais diversos assuntos ocorridos em suas vilas e cidades e dirigidas, quase sempre, ao Diário de Pernambuco que as publicava. Muitas dessas cartas não continham o nome do remetente, porém nem por isso deixaram de ser estampadas, principalmente quando esses textos não ofendiam a honra de quem quer que seja. Essas pessoas, sem querer, estavam sendo repórteres da história.

Aquele trágico acontecimento do dia 17 de janeiro de 1917, ocorrido na cidade de Garanhuns, conhecido como “A hecatombe”, praticamente foi todo historiado através de cartas aos jornais diários do Recife que publicavam essas missivas que discorriam sobre aquele infausto acontecimento de caráter político em que mais de uma dezena de pessoas, que faziam oposição ao assassinado coronel Júlio Brasileiro, foi chacinada, pelos partidários deste, na cadeia do lugar, aonde foram pedir garantia de vida ao delegado de polícia.

Pessoas de São Bento, também, tinham esse salutar hábito de perder um tempinho e mandar cartas aos jornais da capital, descrevendo boas notícias ou problemas e, quase sempre, pedindo a interferência da autoridade com vistas a uma solução para o assunto ou mesmo denunciando arbitrariedades. Vejamos a seguir, em ortografia da época e sem correções, uma notícia da nossa então vila publicada, possivelmente, em 1896 pelo Diário de Pernambuco.

“Villa de S. Bento – Desta localidade escrevem-nos o seguinte:

A decadência desta villa vai em progressivo andamento.

As casas, pela mór parte arruinadas, vão desabando e não se cuida em reparal-as ou edificar novas.

Os gados, apesar do regular inverno do passado e corrente anno, vão sendo disimados pela peste do carrapato, e as crias morrem de diarrhéa branca, denominada “curso”, pelos fazendeiros.

Convocada, para ante-hontem, a terceira sessão periódica do Jury, foi dissolvida, á falta de réos para julgamento.

Esse estado lizongeiro e raríssimo é devido a boa índole dos habitantes e a sabia e criteriosa administração das autoridades judiciárias e policiaes do município.

Aqui se acha um engenheiro commissionado pela secretaria da agricultura para fazer as plantas e orçamentos das obras decretadas para este município.

Os locaes para as escolas publicas e ponte foram os mais infelizes.

A ponte que deveria ser edificada no rio Una, na embocadura da estrada que conduz para Bello Jardim, distante desta villa 30 kilometros, e onde brevemente tocará a estrada de ferro central, vai ser feito um lugar inconveniente, onde o rio é muito mais largo e as margens ficam alagadas nas grandes cheias, e as casas para as escolas vão ser edificadas vis-à-vis com o mercado, lugar impróprio, em terreno declive, sem perspectiva, e que fica absolutamente encoberto pelo edifício do mercado publico.

E será possível que os escolares deixem de apreciar o vai-vem dos mercadores para cuidarem somente nas suas lições?

Impossivel, tanto mais quando os meninos sertanejos são muito curiosos.

Á rua do Commercio há um terreno plano e com capacidade para edificação das escolas, contíguo a habitação do escrivão Lemos, e com todas as condições hygienicas; assim como existe lugar muito para edificação da ponte, para o futuro muito concorrido por causa dos passageiros e mercadorias que vierem para esta villa e desembarcarem em Bello Jardim.

Ainda é tempo de se remediar esses erros, collocando-se a ponte na embocadura da estrada que vai para Bello Jardim e as escolas em lugar mais apropriado porque as plantas desses edifícios ainda não estão levantadas”.

Que carta bem escrita! O cidadão que a escreveu tinha um excelente tirocínio e acima de tudo estava exercendo plenamente um direito, inerente à cidadania ao denunciar irregularidades em obras públicas a serem executadas na nossa São Bento do final do século XIX. Não se sabe se esta missiva veio sem assinatura ou o jornal para preservar o autor de qualquer futuro inconveniente omitiu o seu nome.

Nota-se pelo estilo que o missivista é um homem preparado, versado em lógica e com muita razão condenou os locais onde seriam edificadas a ponte sobre o rio Una e as escolas públicas. Ele estava coberto de razão e denunciou uma possível maracutaia com o dinheiro público, ao alertar que a ponte seria edificada num lugar onde o rio é mais largo e não na embocadura da estrada que leva a Belo Jardim, onde é mais estreito e com isso haveria economia de material e de mão-de-obra em benefício do erário pernambucano. Essa ponte seria de grande importância para a vida da cidade, uma vez que os trilhos da Estrada de Ferro Central de Pernambuco em breve chegariam a Belo Jardim, distante 30 kilômetros segundo o cálculo do missivista, mas que hoje sabemos que a distância certa é de apenas 21 kilômetros. Essa ponte, evidentemente, eliminaria o inconveniente de passagem do rio nos tempos de enchente. E os passageiros e as mercadorias desembarcadas de trem em Belo Jardim chegariam tranqüilamente a São Bento com a construção da ponte. É, essa ponte nunca foi construída, pois no meu tempo de menino em São Bento quando o rio tinha enchente o filme não conseguia chegar até o cinema e naquela sexta-feira ou sábado ficávamos sem aquele programa que era ir ao Cine Rex.

O autor destas linhas tem em mente que essa ponte jamais foi construída naqueles tempos distantes, pois nunca as pessoas mais antigas da cidade a ela se referiram. Se, por acaso, tivesse sido construída é bem possível que tivéssemos pelo menos as ruínas da ponte.O que conhecíamos em São Bento era a barragem na embocadura para o antigo acesso à estrada que vai dar em Belo Jardim. Nada se sabe a respeito da repercussão dessa bem escrita missiva. É, pois, bem possível que ela tenha feito gorar a construção da ponte em um local mais largo do rio e com isso o empreiteiro ganhar mais dos sempre combalidos cofres públicos.

O missivista, também, critica com propriedade a localização das escolas públicas que ficariam em frente ao mostrengo são-bentense que era o mercado público. Esse edifício tomava grande parte da atual Praça Historiador Adalberto Paiva. Seria, pois, um local impróprio, em declive, e perto de um rudimentar centro comercial, cujo movimento de mercadores, poderia tirar a atenção dos escolares para com suas tarefas e lições. Esse mercado público viria abaixo graças ao prefeito Manuel Cândido, no inicio dos anos 1940, e provocou grande reação da elite da cidade que fez um abaixo-assinado ao interventor Agamenon Magalhães que provocou o chamamento do prefeito ao Palácio do Campo das Princesas. O prefeito compareceu, mas não pode executar a ordem do governante, pois o mercado já tinha ido abaixo, iniciando-se um processo de modernização da cidade.

Ainda no tocante à localização das escolas públicas, o missivista centenário sugere que elas sejam construídas na Rua do Comércio, uma vez que perto da casa do escrivão Lemos havia um bom terreno, plano. Esse escrivão era o avô do nosso escritor Gilvan Lemos. Seu nome completo: José Antônio da Silva Lemos, pai de Abílio, Federalino (Senhor), José, Joaquim (pai de Gilvan), Aníbal, Arminda, Elvira, Otília, Maria e Marieta de Oliveira Lemos.Aqui fica estas indagações: onde ficaria esta Rua do Comércio? Seria onde hoje fica a Avenida Osvaldo Maciel? Ou ficaria tal rua onde hoje se encontra a Praça Cônego João Rodrigues? E a ponte onde foi construída? As dúvidas aumentam, pois num processo criminal de 1898 o promotor público de São Bento denunciou três réus que haviam assassinado um homem lá “para os lados da ponte sobre o rio Una”. E para confundir mais as coisas, essa ponte fica um pouco abaixo do riacho sangrador do açude da Nação, hoje mais conhecido como o açude Velho.

A propósito, na nossa cidade está sendo construída uma escola estadual num terreno que fica além do Restaurante Pedágio, caminho da Baixa e Queimada Grande. Eu fico imaginando o sacrifício que será para os alunos sem condução própria chegar até a nova escola, uma vez que se trata de uma ladeira bem acentuada e os alunos possivelmente chegarão cansados para as aulas. Alguém pode argumentar que caminhar é bom para a saúde. Concordo plenamente, mas não para ir ao trabalho, à escola ou a outro compromisso. O caminhar é bom e surte os efeitos desejados quando ele é feito nas horas de lazer, especialmente de manhã e à tardinha.

E pensar que em São Bento existe um terreno plano e num local menos movimentado de veículos para a construção de uma unidade de ensino, tal seja aquela propriedade que fica onde, no passado, funcionou o Jockey Club, no prolongamento da Rua Joaquim Nabuco. Seria o caso de o Estado de Pernambuco desapropriá-lo a bem do interesse público.

Hoje, podemos muito bem apreciar o poder e a força que uma carta bem redigida, mandada a um jornal da capital, que poderia ter gorado a construção dessa ponte e propiciado a edificação das escolas num lugar mais aprazível, ou seja, no local onde possivelmente se encontra a agência local do Banco do Brasil. Então, a hoje Praça Cônego João Rodrigues seria a Rua do Comércio citada pelo inteligente missivista do passado? Isso não podemos assegurar, porém a lógica aponta nesse sentido.

São Bento, nossa comuna, nunca perdeu a sua vocação de produzir homens inteligentes em quase todos os setores da atividade humana. Parabéns, missivista anônimo do final do século XIX!

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Pau Amarelo PE 26 de maio de 2007

Orlando Calado é bacharel em direito.

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