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Coluna 84: Fatos & gente são-bentenses de épocas diversas (6)

Publicada dia 02 de Junho de 2007

Fatos & gente são-bentenses de épocas diversas (6)

A imprensa recifense publicou, em 1896, diversos telegramas trocados entre autoridades de São Bento e o governador de Pernambuco, conselheiro Joaquim Correia de Araújo (1896-1899), motivados pela denúncia feita por membros da oposição são-bentense que repudiaram a prisão ilegal, segundo eles, de um mesário durante as eleições daquele ano e que, em razão do fato, se sentiam ameaçados pelos capangas armados que percorriam as ruas da vila.

Naquele tempo, a modernidade que era o telégrafo ainda não tinha chegado a São Bento, de sorte que para se passar um telegrama o indivíduo tinha que se deslocar até a vila de Belo Jardim que já dava os primeiros passos para receber os trilhos da Estrada Ferro Central de Pernambuco, cujas pontas já se aproximavam de São Caetano. Quem foi contratada pelo governo brasileiro para tal incumbência de construir a ferrovia foi a Great Western e os ingleses, por força contratual, primeiro construíam a estação de trem e instalavam os fios do telegrafo antes mesmo da chegada dos trilhos, facilitando destarte a comunicação do interior com a capital.

Houve confusão na vila por ocasião das eleições de 10 de julho de 1896. Alguns membros da oposição são-bentense, de pronto, redigiram um telegrama dando conta ao governador do Estado, pela sua ótica, das irregularidades ocorridas no pleito. Redigido o documento, foi despachado na manhã do dia seguinte um estafeta a cavalo que percorreu os vinte e um quilômetros que separavam as duas vilas a tempo de utilizar, ainda cedo, o telégrafo da ferrovia em construção.

De notar que os oposicionistas foram os primeiros a denunciar as irregularidades, numa versão completamente diferente da versão apresentada pela polícia e aceita pela autoridade judicial. O mesário que provocou tal confusão era, como se vê, partidário do candidato autonomista a deputado federal e não se conformando com o resultado cometeu várias estripulias. É um caso interessante porque os causadores do problema foram os primeiros a mandar um telegrama ao governador, talvez como uma estratégia de defesa antes mesmo que a autoridade competente comunicasse o fato ao governador. Assim, o primeiro dos telegramas transcritos é da oposição são-bentense e tem um nítido sentido de distorcer os fatos ao reclamar da prisão “ilegal” de um mesário quebrador de urna e dilacerador de atas.

Igualmente, é de se perceber que naqueles tempos uma autoridade suprema como um governador se dirigia através de telegramas a autoridades menores como o subdelegado de uma vila e até ao juiz, diretamente, membro de outro poder. Não havia, pois, esses atropelos e burocracia dos nossos dias e as autoridades maiores não se sentiam diminuídas pelo fato de ser corresponder com uma de menor grau hierárquico. Hoje, não é bem assim: há várias barreiras escudando a figura do governador e ai daquele inspetor de quarteirão ou comissário de polícia de uma cidade, perdida no interior do agreste, que se atreva de se dirigir diretamente ao chefe do executivo.

Deixemos de lado essas considerações iniciais e passemos aos fatos eleitorais ocorridos em São Bento. Vamos, portanto, transcrever palavra por palavra, em ortografia da época, os problemas acontecidos na eleição e publicados no Diário de Pernambuco, que fazia às vezes do diário oficial.

Telegrammas officiaes – Acerca do pleito de 10 do corrente o Exm. Sr. Conselheiro Governador do Estado recebeu e expedio os seguintes telegrammas:

Bello Jardim 11 de Julho de 1896
Ao Conselheiro Governador do Estado
Eleição perturbada ostensivamente amigos Cintra, primo candidato federal, resultando conflictos na 2. ª e 3. ª secções; urnas quebradas, livros rasgados, prisão illegal mesário Manoel Raymundo, aqui incommunicavel, villa conflagrada, capangas criminosos armados percorrem ruas.
Opposição ameaçada.
Pedimos providencias cessação constrangimento, preso cidadão prestimoso, nossas vidas confiamos V. Exc.: urgentes providencias.
S. Bento, 10 Julho 1896.
Joaquim Castro Reinaux
João Pulez
Rodolpho Valença
Manoel Eugenio
Francisco Valença
Joaquim Vitalino.

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Recife, 11 de Julho de 1896
Do Governador do Estado
Ao juiz de direito de S. Bento
Informe com urgencia o que occorreu eleição e prisão mesario Manoel Raymundo.
Joaquim Correia

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Igual ao delegado de S. Bento.
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Do Governador do Estado
Ao subdelegado de Bello Jardim
Recife, 11 Julho 1896
Recebei telegrammas juiz direito e delegado S. Bento e fazei seguirem urgência.
Joaquim Correia

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Bello Jardim 12 - Julho - 1896
Ao Exm. Sr. Conselheiro Governador do Estado

Mesa terceira secção Recanto prendeu mesário Manoel Raymundo ao dilacerar actas. Com autos que remetti promotor para offerecer denuncia foi-me apresentado preso que se acha recolhido. Parece força publica insufficiente guarda preso que nada ainda requereu. O poder e força publica mantiveram-se seus postos recommendados, preso foi apresentado assembléa eleitores.
O juiz de direito de S. Bento,
Manoel Estellita.
.......

Bello Jardim 12 – Julho – 1896
Ao Exm. S. Conselheiro Governador do Estado
Informo-vos que mesário Manoel Raymundo foi preso em flagrante delicto ordem juiz seccional pelo presidente mesa terceira secção, no momento em que rompia actas da mesma eleição, que corria livre e regularmente.
Motivo facto criminoso foi derrota deputado autonomista, amigo mesmo mesário.
O delegado de policia,
José Francisco de Souza Paesinho.

.......
Bello Jardim 13 – Julho – 1896
Ao Conselheiro Governador do Estado
Respondendo, informo mesário Manoel Raymundo foi preso em acto rasgar livros eleição terceira secção pela mesa e assembléa de eleitores, que o trouxeram á minha presença na distancia de três léguas, a ordem juiz seccional a quem telegraphei.
Recebi preso que está recolhido garantido , e mandei autos ao promotor para offerecer sua denuncia.devidamente lastreada.
Por parte preso nada ainda foi requerido.
Reclamo força que melhor garanta cadeia.
Hontem telegraphei V. Exc. Via Bello Jardim.
O juiz de direito de S. Bento,
Manoel Estellita.

A localidade Recanto na época era alcançada pela antiga estrada São Bento-Pesqueira. Recanto foi a propriedade onde se estabeleceram, em 1859, os primeiros Cintra, cujo chefe veio de Portugal. Num dos telegramas está dito que os amigos dos Cintra, que tinham um primo candidato a deputado federal, ostensivamente, perturbaram a votação. E a oposição se sentia ameaçada.

É sempre assim. A luta política no Brasil vem de longe. Naquele tempo a eleição era a bico de pena. É evidente que havia oposição, mas, com o voto aberto, poucas pessoas se atreveriam a votar contra o coronel-chefe político local. E nesses pleitos dificilmente a oposição lograva eleger os seus candidatos. A história da República velha (1891-1930) está aí para exemplificar. Nunca um candidato a presidente da República pelas forças de oposição logrou êxito. Primeiro porque não havia partidos “nacionais” e, por esta razão, o presidente da República comandava o processo de escolha, onde invariavelmente seria um mineiro ou um paulista, alternadamente, dentro da política do café-com-leite, o ungido. Ao Nordeste cabia sempre a vice-presidência. Rui Barbosa (1849-1923), tido como um moralista e civilista convicto, perdeu duas eleições presidenciais e na primeira, em 1910, mesmo apoiado pela elite cafeeira do mais poderoso estado, São Paulo, não logrou vencer o marechal Hermes da Fonseca (1855-1923), excelente ministro da Guerra no governo de Afonso Pena (1906-1909).

A propósito da eleição dita a bico de pena, o presidente Washington Luiz (1926-1930), que fazia política em São Paulo, apesar de ter nascido em Macaé RJ, quebrando a “política do café com leite”, conseguiu eleger o seu sucessor, Júlio Prestes de Albuquerque (1882-1946), paulista, porém um movimento subversivo iniciado no Rio Grande do Sul e com apoio de Minas Gerais e da Paraíba, comandado por Getúlio Vargas (1883-1954), que havia sido derrotado nas urnas, depôs o presidente em fim de mandato e assumiu o governo provisório da República.

Washington Luiz (1869-1957) foi obrigado a deixar o País e só voltou dois anos após a deposição do seu algoz, Getúlio Vargas, em 1947. Ainda no cais do porto, chegando dos Estados Unidos, e depois de muita insistência de um jornalista, respondeu uma pergunta com a seguinte frase, real e atualíssima até nossos dias: “Antigamente, faziam-se eleições desonestas para eleger homens honestos. Hoje, fazem-se eleições honestas para eleger desonestos". Não obstante, esse velho presidente chegou a pronunciar “pérolas” que ficaram gravadas na história, tais como: “Governar é abrir estradas” ou essa mais infeliz, “A questão social é caso de polícia”.

E, assim, hoje, contamos uma faceta da vida política da então vila de São Bento.

Pau Amarelo PE 02 de junho de 2007

Orlando Calado é bacharel em direito.

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