Portal São Bento do Una - Orlando Calado - Fatos & gente são-bentenses de épocas diversas (8)

Colunas

Cidade

Regional

Navegando: Indisponível

Coluna 86: Fatos & gente são-bentenses de épocas diversas (8)

Publicada dia 16 de Junho de 2007

Fatos & gente são-bentenses de épocas diversas (8)

A “Gazeta de São Bento” se propunha a ser uma publicação bimensal da Sociedade 21 de Março. Sua primeira edição é do último ano do século XIX, ou mais exatamente do dia 21 de março de 1900. O órgão tinha por objetivo primacial divulgar os acontecimentos da vila e como pertencia a uma sociedade literária certamente revelaria talentos, pois que estava muito bem escrito e organizado. No entanto, não temos conhecimento de que o jornalzinho e a sociedade que o mantinha tenham vingado e outros números do periódico tenham sido editados.

Pelo que se depreende do conteúdo da Gazeta, esta era o veículo propagador da sociedade literária. Os homens daquela época eram por demais modestos a ponto de no expediente não colocaram os nomes dos responsáveis pela folha. Esses idealistas estavam fazendo história, porém a posteridade dificilmente vai saber o nome desses são-bentenses idealistas, precursores do jornalismo “indígena’” como eles mesmos se autodenominaram. Para nós, pretensos pesquisadores, é triste não termos como saber a verdadeira história de nossa comunidade e no caso em tela os nomes dos conterrâneos que fizeram esse bem redigido jornalzinho.

A bem da verdade, tomamos conhecimento da existência desse periódico graças ao "Portal de São Bento do Una" que em uma das suas páginas da seção “História” estampa aquela que, talvez, tenha sido a pioneira das nossas sempre efêmeras publicações. E, diga-se de passagem, que se trata de um periódico bem estruturado, tendo até representante na capital do Estado, Antônio S. F. Barreto, devidamente autorizado a receber assinaturas e possíveis anúncios. O expediente do jornalzinho ainda nos dá conta de que os assinantes de outras cidades poderiam remeter carta registrada com o valor declarado da assinatura anual, com o abate de setecentos réis do valor da assinatura, para fazer face à despesa postal. Possivelmente, muitos exemplares da edição primeira foram expedidos para parentes e pessoas conhecidas, residentes em municípios vizinhos e a não devolução significava que os destinatários aceitaram a condição de assinantes da gazetinha. Os assinantes ainda eram brindados com anúncios de até vinte linhas, deferência esta ainda comum nos dias de hoje aos assinantes de jornais. O exemplar estampado pelo nosso sítio eletrônico foi remetido a Dinamérico Crespo na localidade de Canhotinho. E aqui queremos, de público, louvar a pessoa que cedeu o jornalzinho e quem teve a idéia de colocá-lo neste Portal, compartilhando essa preciosidade com milhares de são-bentenses espalhados pelo mundo inteiro.

Toda a matéria publicada mostra o empenho daqueles são-bentenses em mostrar que naquele lugarzinho na ribeira do Una, ainda considerado sertão, havia um pugilo de homens preparados e acima de tudo idealistas. Na seção literária seriam publicados artigos de colaboradores, porém a direção tinha o direito de não inseri-los quando para tanto houvesse nisso conveniência.

Realmente, não me canso de dizer, nossa urbe é destacadamente um lugar de homens e mulheres de talento e não poderia ser diferente quando do lançamento da “Gazeta de São Bento”. Apesar de ter sido publicada há mais de cento e sete anos, vemos o apuro e esmero de suas matérias e a organização visando a captar assinantes nas localidades vizinhas e na capital. No expediente está dito que a assinatura anual custa dez mil réis, com direito evidentemente a 6 exemplares. E diz mais que o número atrasado custa dois mil réis.

O editorial explica com propriedade e modéstia que o órgão “surge tímido e vacilante na grande arena do jornalismo indígena” e é fundado para trabalhar em prol do desenvolvimento do município que lhe dá o nome. O jornal nasceu para viver em um meio pobre de instrução. Lamenta que o jornal surja em público sem a apresentação de um nome conhecido no mundo das letras. Os responsáveis sentem-se apreensivos com o futuro porque vêem o peso da responsabilidade e prevêem as inúmeras dificuldades a vencer. E finaliza o editorial dizendo que não desanimarão nessa cruzada de fé.

Os idealistas são-bentenses mostram denodo e firmeza ao fazerem a seguinte profissão de fé na apresentação da Gazeta: “Os que receberam o encargo de dirigir este periódico, por ventura temerários, não têm a pretensão de conduzi-los até onde chegam os competentes, os lapidários da palavra escrita, acostumadas às lutas da imprensa; mas, também, por mais difícil que se lhes afigure a missão aceita, e por mais ingentes que sejam os esforços a empregar, saberão avançar em defesa desta bela terra, pugnando por seus interesses e combatendo pelo levantamento deste município, sob todos os pontos de vista”.

Em outra parte do jornalzinho, um visitante ilustre fotografa através de palavras a vila de São Bento da seguinte maneira, em ortografia da época: ... com o seu pateo da matriz muito limpo, as suas casinhas bem caiadas de branco, o seu mercado espaçoso, semelhante ao do Cabo, a sua egreja alegre e cuidada convidando a entrar, uma illuminação a kerosene magnifica, uma sociedade litteraria, banda de musica e na perspectiva de um jornal. E tudo isso sem o menor auxilio official e devido somente á iniciativa dos seus bons habitantes.

Na coluna “De longe”, a Gazeta de São Bento transcreve do jornal “Província” as impressões do Dr. Gonçalves Maia a respeito de uma viagem feita ao interior de Pernambuco. Referindo-se a São Bento disse: “As cidades do interior deixam no espírito do viajante uma impressão tão triste de seu progresso material, das suas ruas tortuosas e esburacadas, as suas casas baixas e a sua população pobre, quanto é grata essa outra impressão de hospitalidade e de simplicidade do homem do campo”.

Em outra parte, o jornalzinho expressa sua preocupação “diante da lúgubre tragédia” de responsabilidade da Usina Estreliana, pertencente à Companhia Beberibe, pelo lançamento de rejeitos industriais tóxicos nas correntes de água que abastecem a população, tendo causado a morte de dona Rita Vanderlei e a debilitação da saúde de pessoas que beberam da água envenenada com sais de chumbo. A Gazeta louva a atuação firme e serena do chefe de polícia do Estado, Dr. Leopoldo Lins, pela sua rápida ação contra os responsáveis pela poluição das águas que intoxicou a população do Recife. E acrescenta, bendito seja o sertão onde se está livre de tóxicos dessa natureza e que não se morre assim, salvo de um traiçoeiro bacamarte que ainda não mata de mansinho, em pequenas doses de sais de chumbo como estão dizendo a respeito da Companhia Beberibe. Ao contrário a dose é uma só, ou seja, o “bombom” representado pela bala do bacamarte, não havendo escapatória, pois os recursos da ciência no interior são escassos. E conclui o articulista com uma ponta de humor negro: “E já é um consolo para o sertanejo incauto ver, numa grande cidade, há três anos, a Companhia Beberibe, bem a gosto, envenenar a população inteira”.

A grande verdade é que desde o início da colonização brasileira os engenhos e posteriormente as usinas sempre poluíram os cursos dágua com seus tóxicos vinhotos. O brado de alerta para o fato veio do Recife que teve as águas do rio Beberibe contaminadas por sais de chumbo e rejeitos de uma usina de açúcar. A intervenção dura do chefe de polícia foi determinante diante das mortes lentas de pessoas após longa enfermidade. E o articulista na gazeta são-bentense ainda ironiza dizendo que a situação é melhor no sertão onde a pessoa leva um tiro de bacamarte e tem a morte instantânea, mesmo porque os recursos da ciência para salvar o baleado são nulos, inexistentes. Já a poluição das águas do rio recifense vinha matando lentamente, fazendo a vítima sofrer horrores. Hoje, felizmente, o vinhoto derivado do processo de fabricação do açúcar e do álcool é hoje matéria-prima para a fabricação de adubos.

A seção literária da Gazeta de São Bento nos brinda com uma poesia campestre, um pouco tosca, mas que retrata o sentimento do poeta naquele final do século XIX:

A choça

No mais escuro da selva,
Sobre um tapete de relva,
Ao despontar da manhã
Vê-se uma choça modesta,
Cheia de mimos e festa,
Risonha, fresca, louçã,
Virentes, lindas e mimosas
Ramagens puras, viçosas.
De matizadas boninas,
Ornam-lhe as portas singelas
De perfumosas capelas
De verdadeiras cortinas.
Em roda, tudo é verdura,
Nas flores tudo frescura
Nos ares tudo harmonia!
Se as brisas passam – que beijos!
Se as aves cantam – que harpejo!
Que vozes, que melodia!

Para que o leitor entenda bem a poesia, tivemos que recorrer ao dicionário para saber o que é “virente”. Lá está dito que virente significa viçoso, verdejante, que verdeja. Também quis saber o que realmente “louçã” quer dizer: é o feminino de “loução” e significa provido de adorno, adornado. Bonina é uma flor de variados matizes. A bonina também é conhecida como “bela margarida” e “maravilha”.E, por fim, vamos ver o verbo “harpejar”, que significar tocar o instrumento musical chamado harpa.

E, assim, contamos uma faceta da história jornalística de São Bento do Una, lamentando que nenhum jornalzinho da cidade tenha se firmado no decorrer dos anos. Tivemos “A Voz do Una”, “O Pioneiro”, “O Ginásio”, O Grongonzo”, “A Tribuna do Povo” e tantos outros que nasceram com a intenção de longevidade, mas que logo pereceram por falta de apoio, desinteresse da população, dificuldades financeiras ou mesmo injunções de ordem política. E no tocante especificamente à “Gazeta de São Bento”, órgão da "Sociedade Literária 21 de Março", lamentamos profundamente não sabermos o nome dos seus redatores e responsáveis por ela para que pudéssemos homenagear esses são-bentenses empreendedores numa época de grandes dificuldades de ordem material para editar um jornalzinho por mais simplório que fosse.

Parabéns pelo legado, anônimos jornalistas “indígenas”!

Pau Amarelo PE 16 de junho de 2007

Orlando Calado é bacharel em direito.

Colunas anteriores: