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Coluna 77: Fatos & gente são-bentenses das décadas de 1930 e 1940
Publicada dia 14 de Abril de 2007

Fatos & gente são-bentenses das décadas de 1930 e 1940

O festejado conterrâneo Gilvan Lemos nos forneceu preciosas informações sobre a nossa, até então, pequenina São Bento dos seus tempos despreocupados de menino. Vez por outra, recorremos ao nosso escritor e ele, muito gentil como sempre, não deixa de nos explicar como era a cidade de São Bento com suas ruas sem meio-fio e sem calçadas e muito menos calçamento. Quando meninote, tive o ensejo de ler uma crônica gilvaniana em um esporádico jornalzinho são-bentense, cujo nome, se não me falha a memória, era “O Pioneiro”, em que ele não se conformava em ver a cidade com as melhorias verificadas a partir das gestões municipais dos irmãos Décio e Lívio Valença. Na época, nem eu nem as pessoas de um modo geral entenderam a mensagem do prosador, que se tratava, tão somente, de uma figuração, pois que as transformações urbanas como: o assentamento de meio-fio e o calçamento das principais ruas estavam completamente em desacordo com a cidade em que ele viveu sua meninice e adolescência. E dizia, em certo momento da crônica, que se pudesse quebraria todas as benfeitorias para que a sua cidade voltasse a ter o aspecto, o encanto e a magia da sua infância feliz, com ruas empoeiradas e casas cheias de degraus para se vencer. É evidente que Gilvan gostou de ver sua cidade com os melhoramentos que começaram no fim da década de 1940 quando a Praça Marechal Deodoro, atual Cônego João Rodrigues, foi construída e que até hoje, graças ao tino do prefeito Reginaldo Porfírio (1997-2000), que a reformou e modernizou, conserva aquelas pedras de granito no seu passeio.

Recordo-me, como se fosse neste instante, a buraqueira aberta com picaretas, na cidade, para receber o tão acalentado meio-fio, símbolo de progresso e que viria a dar jeito às calçadas, pois cada morador fazia a sua sem nenhuma uniformidade e a seu bel-prazer, de acordo com suas posses. Na Praça Barão do Rio Branco, hoje Adalberto Paiva, foi preciso até furar os lajedos e neles colocar dinamite para destruí-los e com isso dar passagem à valeta por onde o meio-fio seria assentado. Por muito tempo, a cidade ficou em obra, um verdadeiro pandemônio urbano. E a meninada brincava de “artista de cinema” se escondendo nas valas abertas e “prendendo” os seus rivais mais distraídos. A obra era o começo da urbanização, com a construção das praças, colocação do meio-fio e calçamento das principais vias centrais. A partir da década de 1950, São Bento deixou de ser aquele arruado empoeirado para tomar ares de cidade organizada. Na antiga Praça Barão do Rio Branco, foi erigida uma fonte luminosa que era a coqueluche dos prefeitos da época, porém as constantes quedas de corrente elétrica gerada por velhos e ultrapassados geradores fizeram com que a beleza da fonte luminosa não fosse apreciada pelo povo. Também, faltava água ao empreendimento para um funcionamento de modo permanente, principalmente à noite onde os efeitos seriam mais bem apreciados.

Feita esta pequena incursão à década de 1950, vamos ao que nos interessa. Ou seja, dizer alguma coisa referente às décadas de 1930 e 1940. Para tanto, estamos louvados nas preciosas informações fornecidas pelo nosso romancista e contista, Gilvan Lemos, e pelo marceneiro aposentado, Sebastião Bernardino de Souza, cidadão são-bentense apaixonado como nós pela formação histórica de nossa cidade e sua atual memória-viva.

No tocante ao prefeito Manuel Cândido, Gilvan diz que ele foi nomeado prefeito no tempo do Estado Novo, período da nossa história compreendido entre 10 de novembro de 1937 e 29 de outubro de 1945, quando Getúlio Vargas fez de Agamenon Magalhães o seu interventor nas terras pernambucanas, tendo este nomeando o rigoroso Cândido como prefeito municipal da então São Bento. Gilvan não precisa a data, porém acha que foi no início da década de 1940. E diz que Manuel Cândido era do tipo falastrão, sempre de paletó e gravata, mas um pouco relaxado na aparência. Ele andava nas ruas “passando gato” em quem não obedecesse às posturas municipais. O indivíduo que tivesse a petulância de jogar um papel ou mesmo casca de banana no chão da cidade era sumariamente compelido a apanhar e colocar a sujeira no tonel de lixo.

Foi ele que teve a coragem de por abaixo o mercado velho. A esse propósito, conta-nos o historiador são-bentense, Sebastião Bernardino de Souza, nascido em 1927, que no início da década de 1940, São Bento tinha uma velha edificação que tomava quase toda a extensão da atual Praça Adalberto Paiva. Era o dito mercado, um verdadeiro pardieiro que enfeava a nossa cidade, onde aos sábados ocorria grande parte dos negócios, especialmente a venda de farinha de mandioca, de modo que o prédio ficava completamente rodeado de montarias dos matutos, a ponto de gente de outras localidades próximas a São Bento se referir ao Mercado Público como uma verdadeira estribaria. Esta observação de forasteiros, certamente, desgostou o alcaide municipal que a partir de então pensou seriamente em demolir esse simulacro de mercado público que tanto deslustrava a acanhada cidade. Começou então a arregimentar trabalhadores rurais e urbanos para a empreitada, começando a fazer o destelhamento com cuidado e retirar todo o ferro empregado na sustentação do prédio e que depois seria usado na construção da cisterna anexa ao hoje demolido Açougue Público. Repentinamente, vários munícipes reagiram ao tomar conhecimento da decisão do prefeito, em derrubar o mercado, e não conseguindo convencê-lo do contrário, logo providenciaram um “abaixo-assinado” dirigido ao interventor federal de Pernambuco, Agamenon Magalhães.

Ao receber o documento, o representante de Getúlio Vargas em Pernambuco, em atendimento ao pleito dos conservadores são-bentenses, mandou convocar, através de telegrama, o prefeito ao Palácio do Campo das Princesas sem, no entanto, alegar o motivo de tal chamamento. Era evidente, para o prefeito, que esta convocação tinha a ver com demolição do Mercado Velho. Imediatamente, Cândido arregimentou os operários que, de pronto, começaram o destelhamento e a retiradas das linhas de sustentação. Os vergalhões também foram retirados e depois serviram para a construção da cisterna anexa ao antigo Açougue Público. Prédio completamente no chão, o prefeito Manuel Cândido, de capote na mão, pegou uma condução para Belo Jardim e de lá seguiu de trem ao encontro do chamamento do chefe. Na audiência, o interventou disse que seu chamado ao gabinete tinha a ver com um “abaixo-assinado” firmado por personalidades são-bentenses contrárias à demolição do próprio público. E que não levasse a cabo tal empreitada. Após a fala do interventor, Cândido o olhou firmemente e disse “Excelência, o que me pede não posso cumprir: o Mercado de São Bento hoje é apenas um entulho. Salvamos apenas o telhado, as linhas de sustentação, os caibros e as ripas. Era uma edificação antiquada, mal feita e que atentava contra a estética e que por isso era alvo de comentários desairosos de pessoas das cidades vizinhas que o considerava apenas uma estribaria, de vez que a matutada amarrava suas montarias ao longo das portas do estabelecimento”. Disse mais que São Bento para se modernizar tinha que tirar aquele monstro da paisagem local. “Lamento, pois, senhor interventor, não poder atender a sua ordem, pois o telegrama apenas me convocava a palácio e eu não tinha a mínima idéia de que o assunto seria a demolição”. O interventor diante do fato consumado não teve outra alternativa senão mandar arquivar o “abaixo-assinado”, avisando os subscritores da impossibilidade de atendê-los. E São Bento se livrou, para sempre, desse monstrengo. Em compensação, foi o prefeito Manuel Cândido, segundo Gilvan Lemos, que construiu a antiga prefeitura, que no dizer de Gilvan “era simpática e poderia ter sido aproveitada (...) e não destruída, para dar lugar a um prédio-caixão, feio como o diabo (...)”. O prefeito Manuel Cândido foi o organizador da feira semanal aos sábados e deixou uma grande obra, sendo por isso considerado o maior prefeito de São Bento que ainda não era “do Una”.

No tocante ao Cine-Teatro Rex, Gilvan diz que ele foi construído por Osvaldo Maciel. mais ou menos por volta do ano de 1945. Antes, Osvaldo havia comprado o Cinema Trianon que ficava onde era a casa de Zezé Raimundo, hoje sede do Conselho Tutelar do município. A tradicional sala de projeção foi inicialmente aproveitada por João Gomes, de Belo Jardim, que era o dono do “motor” da luz elétrica. Depois, o Trianon foi passado a Eutrópio Azevedo, irmão de dona Mariá, casada com Nô Paiva. Nesse tempo, a projeção de imagens era muda, ou seja, não tinha som. Mais tarde, dona Pânfila, sobrinha do Barão de Suassuna, que adquirira o motor, inaugurou o cinema falado, com o nome de Cine Eldorado. Tal cinema, no entanto, não tive muita sorte, pois pegou fogo e ficou fechado por muito tempo, até ser reaberto por um senhor chamado Melquíades já com o nome de Trianon.

A respeito do União Sport Club, nosso escritor e historiador são-bentense diz que ele foi construído na presidência de Adelmar Paiva, possivelmente por volta do ano de 1937. O mentor dessa associação são-bentense foi Getúlio Valença, na época o animador cultural da cidade, tendo fundado o Jockey Club de São Bento e o grupo de teatro entre outras iniciativas. Getúlio era protético e prático em odontologia. Sua oficina de trabalho ficava ao lado do antigo Cine Rex numa mesma edificação onde existia o consultório médico de seu sobrinho, Lívio Valença (1916-2003).

Indaguei de Gilvan se ele se lembrava de Bernarda, aquela são-bentense apaixonada pela Banda Musical Santa Cecília e que tinha o prazer de acompanhá-la pelas ruas são-bentenses nos dias de festa e de regozijo. O autor destas linhas tem um ligeira lembrança da passagem do enterro dela pela antiga Praça Marechal Deodoro, que foi acompanhado pela Banda numa homenagem àquela que tanto amava a música. Gilvan disse que se lembrava demais de Bernarda, porém não sabe dizer a que família ela pertencia. Sabe que era ligada aos Siqueira, talvez sem parentesco. As pessoas perguntavam: “Bernarda, que dobrado é esse?” E ela respondia na bucha: “Né Lira de Ouro?”.

No tocante a Fábrica de Laticínios Souza Valença, Gilvan diz que ela foi construída em 1935, seu equipamento veio da Áustria, pois naquele tempo o Brasil pouco produzia e nem a Companhia Siderúrgica Nacional (CSN) tinha sido fundada por Getúlio Vargas (1883-1954), o homem que deu início ao processo de industrialização do País e que por esse motivo, bem como pela legislação de proteção ao trabalho é considerado o maior político que o Brasil já produziu. Quem instalou a Souza Valença foi um engenheiro-mecânico dinamarquês chamado Kay Hansen que todos se referiam a ele “Cai Rânsen”. A fábrica era bem moderna, toda mecanizada e tinha até câmara frigorífica, constituindo-se na época um grande sucesso, pois a partir de então o são-bentense pôde, nas festas ou no União tomar sua bebida gelada, pois a Souza Valença fornecia gelo que para conservar as barras era usado o pó de serra. Também, em função do gelo da Souza Valença, pudemos nós meninos e os matutos de São Bento apreciar o sorvete raspa-raspa de coco, morango e maracujá de Zé Rufino, além da “gelada” que de tão fria dava dor nos olhos.

Depois veio a Fábrica de Laticínios Castelo fundada por Zé Cadete também muito importante e que ficava nos Terreiros depois do sítio de Liberato Siqueira. Gilvan acrescenta que a última vez que viu a fábrica, da entrada da cidade, ela estava aos pedaços, servindo de aviário.

De certa feita, comentei com Gilvan que São Bento, apesar de pequena, havia dado ao Brasil dois generais; João Augusto de Siqueira e Zenildo Gonzaga Zoroastro de Lucena, que vem a ser sobrinho do primeiro. O general João Augusto era filho de Liberato Augusto de Siqueira, pedreiro e alferes da Guarda Nacional, havendo terminado vida militar ativa no Recife ao passo que o general Zenildo foi o último ministro do
Exército, no governo de Fernando Henrique Cardoso e com a criação da pasta da Defesa, comandada por um civil, como acontece em quase todos os países do mundo, exerceu até o final de 2002 o cargo de membro do conselho de administração da Petrobras.

Gilvan aduziu que havia um terceiro general são-bentense, chamado Cícero e cujo sobrenome não se lembra. Disse que Cícero era cunhado de Joca Hemetério, que morava na antiga Rua do Correio e que ele saiu de São Bento ainda rapazinho, pobre e humilde e anos mais tarde voltou general.

Ele ainda acrescentou alguns pormenores a respeito do general Cícero. Joca Hemetério era pai de Cecé, que casou com Maria de Vítor Guabiraba. Cecé era enfermeiro e, como se vê, sobrinho do general Cícero de tal. Algum são-bentense que venha a ler este artigo e saiba o nome completo e mais detalhes a respeito da vida do oficial-general, rogo informar-me para o correio eletrônico abaixo. Desde já agradecemos a quem puder colaborar com a história são-bentense.

Por hoje é só. Porém, antes de concluir tenho que passar uma informação preciosa feita pelo nosso escritor: no tempo do Estado Novo, várias localidades brasileiras mudaram de nome. Segundo as autoridades da época, o objetivo era evitar que um mesmo nome fosse adotado por mais de uma cidade. Tentaram mudar o nome de São Bento para Itapicuru, porém o nome não “colou”. Dizem, então, que o general João Augusto de Siqueira sugeriu a adição “do Una” ao nome de São Bento.Vamos tentar recolher outras histórias da cidade. A mim, só me resta agradecer a Gilvan Lemos e a Sebastião Bernardino pelas valiosas informações que ensejaram o desenvolvimento deste modesto trabalho.

A história de São Bento do Una é rica em valores humanos nestes seus 147 anos de emancipação política, tendo sido elevada ao predicamento de Vila em 30 de abril de 1860, desmembrada que foi da então Vila de Santo Antônio de Garanhuns e não pode, de maneira alguma, ser olvidada pelas novas gerações.



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Pau Amarelo PE 14 de abril de 2007

Orlando Calado é bacharel em direito.


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Coluna 127 - 05/04/2008 - Pingos de história do Império Brasileiro (14) - A Lei do Ventre Livre
Coluna 126 - 29/03/2008 - Pingos de história do Império Brasileiro (13) - A Guerra do Paraguai
Coluna 125 - 22/03/2008 - Pingos de história do Império Brasileiro (12) - A Guerra do Paraguai
Coluna 124 - 15/03/2008 - Pingos de história do Império Brasileiro (11)
Coluna 123 - 08/03/2008 - Pingos de história do Império Brasileiro (10)
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Coluna 118 - 02/02/2008 - Pingos de história do Império Brasileiro (5)
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Coluna 115 - 11/01/2008 - Pingos de história do Império Brasileiro (2) O Diario de Pernambuco na História do Brasil
Coluna 114 - 29/12/2007 - Pingos de história do Império Brasileiro (1) - A chegada ao Brasil da família imperial portuguesa
Coluna 113 - 22/12/2007 - A Bíblia, um livro de inúmeras histórias
Coluna 112 - 15/12/2007 - Fatos & gente são-bentenses de épocas diversas (34)
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Coluna 64 - 13/01/2007 - Apolônio Sales, um estadista de grande valor
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Coluna 33 - 08/04/2006 - Nome de rua não deve ser mudado
Coluna 32 - 01/04/2006 - Brasil, nova potência petrolífera mundial!
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Coluna 29 - 11/03/2006 - Os livros de Sebastião Cintra
Coluna 28 - 04/03/2006 - Um sábado sangrento no Recife
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Coluna 24 - 04/02/2006 - Aspectos gerais da lei de responsabilidade fiscal
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Coluna 21 - 14/01/2006 - Brasil, potência mundial em 2020
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Coluna 19 - 31/12/2005 - Josué Severino, o mestre e a Banda Santa Cecília
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Coluna 16 - 10/12/2005 - Do Estado pouco ou nada espero
Coluna 15 - 04/12/2005 - A América do Sul e o nazismo
Coluna 14 - 27/11/2005 - A Venezuela bolivariana de hoje
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Coluna 11 - 13/11/2005 - A saga de Delmiro Gouveia
Coluna 10 - 10/11/2005 - O velho na legislação brasileira
Coluna 9 - 31/10/2005 - O projeto São Francisco
Coluna 8 - 24/10/2005 - Correio eletrônico, maravilha do nosso tempo
Coluna 7 - 13/10/2005 - Um século sem presidente paulista
Coluna 6 - 09/10/2005 - O Grande Pronome 'Lhe' Morreu!
Coluna 5 - 29/09/2005 - Brasil 2005 - Uma Economia Mais Forte
Coluna 4 - 22/09/2005 - As Vestais da Moralidade Pública
Coluna 3 - 15/09/2005 - Mordomia & Nepotismo
Coluna 2 - 07/09/2005 - Tratamento de Excelência
Coluna 1 - 07/08/2005 - Hiroshima - uma covardia inominável


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