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Coluna 98: Fatos & gente são-bentenses de épocas diversas (20)
Publicada dia 08 de Setembro de 2007

Fatos & gente são-bentenses de épocas diversas (20)

Uma pergunta sempre nos perseguiu durante décadas: quando, afinal de contas, nossa cidade de S. Bento adicionou a expressão "do Una" para se distinguir das demais localidades homônimas? Sabemos de antemão que essas minudências não nos interessam de perto, pois que não levam a nada. No entanto, para alguns estudiosos, conhecer os vários aspectos de sua comuna é algo de inusitado prazer, uma paixão. À medida que os mais antigos vão deixando de existir, grande parte da memória oral se esvai. 

Estudamos em escolas são-bentenses, municipal e  estadual, porém nunca se trataram em sala de aula temas relativos à história de nossa cidade. Sabíamos apenas que o nome "S. Bento" teria advindo de um problema derivado do grande desmatamento levado a efeito pelos nossos desbravadores que queriam campos livres para a formação de pastagens para alimentar o gado, como também para roçados onde plantassem  milho, feijão e outros itens da agricultura de subsistência. E aí coortes de cobras saíram dos seus ninhos e invadiram os casebres dos colonizadores. Deve ter sido momentos de angústia, com as pessoas clamando pela proteção do senhor S. Bento. A picada de uma cobra venenosa significava a morte, diante da falta do soro antiofídico que só  muitos anos depois seria descoberto. 

Não se sabe ao certo quando este fato aconteceu. Pode ter sido no final do século XVIII ou na primeira década do século XIX. Sabe-se, no entanto, que a fazenda Santa Cruz mudou de nome e passou a se chamar S. Bento, de onde se originou o arruado, na margem direita do rio Una, engrossado com vaqueiros e suas famílias que fugiam da cabanagem. Some-se a isso o fato de S. Bento ter sido uma espécie de entroncamento e ponto de parada de tropeiros que demandavam os sertões pernambucanos e paraibanos, fato que concorreu, também, para a rápida formação de um arruado, mais tarde transformado em freguesia (1853) e um pouco tempo depois à condição de vila e município (1860). 

Depois de muita pesquisa infrutífera, descobrimos através da Rede Mundial de Computadores, que o adendo "do Una" fora feito através de um decreto-lei estadual assinado pelo interventor federal em nosso Estado na década de 1940. Tempos depois partimos para o Arquivo Público. Em lá chegando, requisitamos a pasta de diários oficiais do Estado referente a janeiro de 1944. Decepção plena: as folhas estavam soltas e as iniciais faltando. Ora, o decreto-lei tinha sido publicado justamente na primeira folha do diário. Levamos o fato ao responsável e ele nos orientou em procurar a Biblioteca Estadual  situada no Parque 13 de Maio. Para lá partimos e conseguimos o documento que procurávamos. Era o decreto-lei n. 952, de 31/12/1943, publicado no Diário do Estado n. 1, do sábado, 1° de janeiro de 1944. O citado diploma legal fixava a divisão administrativa e judiciária de Pernambuco em 66 comarcas, 19 termos, 85 municípios e 274 distritos e dava outras providências. Era assinado por Agamenon Magalhães e os secretários de estado: José Maria C. de Albuquerque Melo, Etelvino Lins de Albuquerque, José do Rego Maciel, Gercino de Pontes e Manoel Rodrigues Filho.

Lemos diversas vezes o decreto-lei e não vimos nada que dissesse respeito a S. Bento e muito menos a respeito do acréscimo da expressão "do Una" ao seu nome. Um dos últimos artigos fazia referência a um tal "Anexo 1" que talvez resolvesse o nosso problema, mas esse documento não estava anexado coisa nenhuma ao documento principal. Por pouco, muito pouco mesmo, não desistimos da pesquisa, mas pacientemente fomos folheando os diários seguintes e anotando alguma curiosidade para não perdermos totalmente o tempo. 

Paginas adiante anotamos que em 1944 o juiz de direito de S. Bento era o Dr. Miguel Braz Pereira de Lucena, magistrado desde 02/05/1927, e que pelos sobrenomes deveria ser parente do famoso Barão de Lucena. E o Ministério Público representado pelo promotor, Dr. Pedro Cupertino Callou, tendo como adjunto o Dr. Sinval de Carvalho. Algumas folhas adiante, observamos que as Escolas Reunidas de S. Bento era um estabelecimento de 2ª entrância em termos de ensino. Tinha à época o seguinte quadro de professoras: "95 – Nair Valença da Fonseca – sede (removida); 96 – Edeltrudes Alves de Oliveira – sede; 97 – Ester Augusta de Siqueira – sede; 98 –  Tarcila Maria Soares – Cachoeirinha e 99 – Dorotéa Souza de Barros – Capoeiras". 

 

Numa portaria do Secretário de Segurança Pública, também de janeiro de 1944, o titular da pasta reconduziria todos os carcereiros das cadeias públicas que iriam perceber, cada um, como extranumerário, mensalista, o vencimento anual de Cr$ 1.200 (mil e duzentos cruzeiros) e dentre eles o nosso inesquecível guarda de presos José Augusto de Siqueira, de S. Bento do Una. Logo nos lembramos que se tratava de Zé Cataco, um homem que se vestia de cáqui como se soldado de polícia fosse e que gostava de uma pinga pura, ocasião em que dava cusparadas de quase um metro de distância. A bem da verdade, só há pouco tempo soubemos que Zé Cataco era da família Siqueira e que quando o general Zenildo Lucena vinha a S. Bento sempre procurava os parentes mais humildes. Quem nos alertou para estes dois fatos foi o nosso mestre Gilvan Lemos, um homem de memória privilegiada e que muito sabe a respeito dos nossos fatos e da nossa gente são-bentense.

Os pesquisadores sofrem muito. No nosso caso específico, o Anexo 1 do Decreto-lei  952, publicado em 01/01/1944,  só foi aparecer no Diário do Estado nº 10 de 14/01/1944. Este anexo tomou integralmente as quatro primeiras páginas e fazemos questão de divulgar tal incongruência para facilitar o trabalho de futuros pesquisadores de nossa história municipal.

O anexo em questão lista as sessenta e seis comarcas de então, seus respectivos termos, municípios e distritos. Aproveita para mudar o nome de  diversos municípios e distritos, dentro de uma recomendação do IBGE para que não houvesse no Brasil município ou distrito com o mesmo nome. Essa saudável recomendação parece não subsistir em nossos dias. É só consultar a lista de "discagem direta à distância" que geralmente vem nas páginas iniciais da "lista telefônica obrigatória e gratuita", não-residencial, distribuída pelas companhias,  para observarmos inúmeras localidades em estados diferentes, e até no mesmo estado, com o mesmo topônimo. Com nome S. Bento, simplesmente, contamos dezoito, nos seguintes estados: AL, BA, CE (2), ES, MA (2), MG (4), PA, PB, PE, PI (2), RN e SE.

Então, amigos, para todos os efeitos legais, S. Bento só teve seu nome acrescido com o "do Una" a partir de 14 de janeiro de 1944 com a publicação do Anexo 1 do Decreto-lei 952, de 31/12/1943. Nesse mesmo anexo, o então distrito são-bentense (hoje pertencente a Cachoeirinha)  Retiro passou a se chamar Cabanas.

O anexo citado não deixa de ser histórico na medida em que mudou o nome de diversas cidades e de distritos. Por esta razão vamos transcrever um trabalho publicado no Diário do Estado n. 3 de 05/01/1944 antecipando as mudanças de nome muito embora o Anexo 1 só tenha vindo a lume duas semanas depois como explicitados por nós no parágrafo anterior. Vamos ao documento que não tinha força de lei, pois tinha conotação  meramente explicativa:

"Entrou em vigor, no dia 1º do corrente (janeiro de 1944) a reforma administrativa do Estado, organizada pela comissão composta pelos srs. Mário Mélo, Paulo Pimentel e Maurício de Abreu, submetida antes à aprovação do presidente da República.

Além da perda do distrito de Fernando de Noronha que se constituiu Território Federal e da criação do distrito de Ipubi, no município de Ouricuri, não houve modificações nos quadros mencionados.

As alterações mais sensíveis foram na toponímia, em conseqüência do decreto-lei federal que mandou extinguir as duplicatas no país. Assim é que alguns municípios tiveram de mudar de nome: Bebedouro passou a Agrestina; São Gonçalo, a Araripina; Rio Branco, a Arcoverde; São.Joaquim, a Camaratuba; Boa Vista, a Coripós; Belém, a Jatanã; Belmonte, a Manissobal;

Nazaré voltou a Nazaré da Mata; Leopoldina passou a Parnamirim; Itaparica, a Petrolândia; São Bento, a São Bento do Una; Alagoa de Baixo, a Sertânia; Serrinha, a Serrita;  Queimadas, a Orobó; Macapá, a Macaparana; Taquaritinga, a Taquaritinga do Norte; Vitória, a Vitória de Santo Antão.

No município de São Lourenço foi restaurado o nome de São Lourenço da Mata. Nos distritos, foram em maior número as modificações: Tupã, nos Afogados da Ingazeira, passou a Tuparetama; Lapa, na Aliança, a Macujê; Sapé, em Vicência, a Murupé; Primavera, no Amaraji, a Caracituba; Olho d´Água, em São Gonçalo, agora Araripina, a Nascente; 

Muitas Cabras, nos Barreiros, a Carimã; Antônio Olinto, em São Caetano, a Tacaimbó; Camocim, nos Bezerros, São Miguel e Sapucaia, respectivamente, a Camocituba, Sairé e Sapucarana; São Félix, em Bodocó, voltou a Feitoria; Prata e Barro, em Bom Conselho, respectivamente, a Iatecá e Saloá; Cedro, no Bom Jardim, a Urucuba; Itapecó, no Bonito, voltou a Guabiraba; Senador Tibúrcio, em São Joaquim, agora Camaratuba voltou a Batateira, e Santana passou a Batente (nome da serra); São Domingos e Santa Clara, em Buíque, passaram, respectivamente, a Guanumbi e Tupanatinga; 

Glicério, em Canhotinho, voltou a Paquevira; Pindorama e Palmeira, em Angelim, passaram a Jucati e Palmeirina; Riacho Doce, em Caruaru, passou a Carapotós; Baixio, em Exu, e Cana Brava, passaram a Timorante e Viração; Borborema, nas Flores, passou a Ibitiranga; Rochedo, na Floresta, a Airi; São Vicente Ferrer, São Pedro e Itacoatiara, em Garanhuns, passaram, respectivamente, a Iratama, Itacatu e Paranatama; Duarte Dias, em Glória do Goitá, passou a Apoti: Goianinha e Areias, em Goiana, passaram, respectivamente, a Condado e Itaquitinga, sendo corrigido para seu verdadeiro nome Pontas de Pedra, que formava duplicata com Ponta de Pedras (cidade do Pará);

 

Muribeca, em Jaboatão, passou a Muribeca dos Guararapes; Malhada, no Limoeiro, tomou a denominação de Passira; Jatobá, em Madre Deus, passou a Jataúba; Santa Maria, em Belmonte, agora Manissobal, passou a Tupanaci; Mirim, Espírito Santo e Mariana, no Moxotó, passaram, respectivamente, Ibimirim, Inajá e Manari; Vera Cruz, Imbiassaba e Santa Filomena, no Ouricuri, passaram, respectivamente, a Cruz de Malta, Manacá e Munduri; 

Cordeiro e Boa Sorte, na Pedra, tomaram os nomes de Japecanga e Venturosa; Arcoverde, em Pesqueira, voltou a Mimoso; São Benedito, em Quipapá, tomou a denominação de Iraci; Santo André, no Rio Formoso, passou a Saué; Barra, no Sirinhaém, voltou a Barra do Sirinhaém; Riacho Verde, no Salgueiro, passou a Verdejante; Retiro, em São Bento, agora São Bento do Una, passou a Cabanas; Itapetininga, em São José do Egito, passou a Itapetim; Itapemirim, na Serrinha, agora Serrita, passou a Ori; 

Itapira e Umbuzeiro,  nas Queimadas, agora Orobó, passaram, respectivamente, a Chã do Rocha (restauração) e Umburetama; Ibitira, em També, passou a Ibiranga; Baixa Verde e Jericó, no Triunfo, passaram a Brocotó e Iraguassu; Ibiapina, nas Vertentes, passou a Cambucá; Santa Cruz e Torres, em Taquaritinga do Norte, passaram a Capibaribe e Toritama.

A povoação de  São José  do Livramento, no município de Timbaúba, foi elevada a vila com o nome de Livramento do Tiúma e a da Lagoa do Souza, no município de Lagoa dos Gatos, também elevado a vila, perdendo esta categoria a de Igarapeassu."

De notar que até início do ano de 1944, o arquipélago de Fernando de Noronha era o único distrito do Recife, ocasião em que foi constituído o Território Federal. A devolução a Pernambuco só se verificou por força da nova Constituição da República, promulgada em 5 de outubro de 1988. De conformidade com a Constituição do Estado de Pernambuco, promulgada em 5 de outubro de 1889, o arquipélago é parte integrante do território pernambucano na condição de distrito estadual. É dirigido por um Administrador-Geral nomeado pelo Governador do Estado, com prévia autorização da Assembléia Legislativa. A cada quatro anos são eleitos sete cidadãos residentes para a formação do Conselho Distrital, com funções consultivas e de fiscalização.

Com este ensaio a respeito da história municipal pernambucana, esperamos que nenhuma dúvida persista a propósito do adendo "do Una" ao primitivo nome de nossa freguesia, vila e cidade, tornando-a, sem dúvida, inconfundível perante tantas outras localidades que por motivos diversos adotaram o nome do santo patrono contra as mordeduras de cobra. E que 14 de janeiro de 1944 seja a data em que os pernambucanos, através do Diário do Estado tomaram conhecimento de que São Bento agora era, para sempre, São Bento do Una.  

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Pau Amarelo PE 8 de setembro de 2007

Orlando Calado é bacharel em direito.


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Coluna 127 - 05/04/2008 - Pingos de história do Império Brasileiro (14) - A Lei do Ventre Livre
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Coluna 125 - 22/03/2008 - Pingos de história do Império Brasileiro (12) - A Guerra do Paraguai
Coluna 124 - 15/03/2008 - Pingos de história do Império Brasileiro (11)
Coluna 123 - 08/03/2008 - Pingos de história do Império Brasileiro (10)
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Coluna 114 - 29/12/2007 - Pingos de história do Império Brasileiro (1) - A chegada ao Brasil da família imperial portuguesa
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Coluna 112 - 15/12/2007 - Fatos & gente são-bentenses de épocas diversas (34)
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Coluna 8 - 24/10/2005 - Correio eletrônico, maravilha do nosso tempo
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Coluna 6 - 09/10/2005 - O Grande Pronome 'Lhe' Morreu!
Coluna 5 - 29/09/2005 - Brasil 2005 - Uma Economia Mais Forte
Coluna 4 - 22/09/2005 - As Vestais da Moralidade Pública
Coluna 3 - 15/09/2005 - Mordomia & Nepotismo
Coluna 2 - 07/09/2005 - Tratamento de Excelência
Coluna 1 - 07/08/2005 - Hiroshima - uma covardia inominável


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